O contato inicial de uma população carente — que há anos vive refém de traficantes sanguinários — com a polícia que chega representando o Estado provocou as mais distintas reações na Vila Cruzeiro. A sexta-feira foi de calmaria absoluta nas ruas. Ninguém foi obrigado a ficar dentro de casa rezando para uma bala perdida não atravessar a parede. Crianças jogavam bola e corriam de um lado para o outro. O comércio estava todo reaberto. E sem os criminosos ali, os policiais também caminharam tranquilamente e revistavam tudo o que queriam dentro da favela. Alguns abusos e uma boa dose de descaso, entretanto, geraram protestos dos cidadãos de bem.
Um exemplo absurdo virou registro de furto na 22ªDP (Penha). O representante de vendas e pastor evangélico Ronai de Almeida Lima Braga Júnior, de 32 anos, saiu de sua casa, na Rua 16, por poucos minutos. Foi tempo suficiente para que alguns maus policiais invadissem e destruíssem o local.
“É revoltante! Venham aqui na casa do meu irmão para ver o que fizeram. Era o sonho de comprar uma casa fora daqui e roubaram todo o dinheiro dele”, repetia, revoltada, Silvia Almeida.
Funcionário de uma empresa por dez anos, ele somou o dinheiro que guardou com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) que recebeu há poucos dias e se preparava para levar os R$ 31 mil à Caixa Econômica Federal na parte da tarde. Não deu tempo. Quando chegou em casa, alertado por vizinhos, Ronai viu seu sonho evaporado.
Para a delegacia, ele levou os comprovantes do pagamento do FGTS. Eram três — nos valores de R$ 5.300, de R$ 10.520 e de R$ 4.729. “Até o momento não fomos notificados de nenhuma apreensão de dinheiro. Então, vamos investigar quem pode ter sido o autor”, explicou a delegada Márcia Beck, titular da 22ª DP (Penha). Vizinhos acusam um policial que usaria farda preta, com o nome de Carlos e o tipo sanguíneo A positivo marcado no colete.
Perto dali, a funcionária de um restaurante Rosinéia Santos, de 28 anos, reclamava de seu computador furtado. Mas nenhum outro registro de ocorrência foi feito. A principal reclamação dos moradores, na verdade, era em relação à Light, que durante horas alegou não ter segurança para entrar e consertar o problema de falta de energia. Foram quase 24 horas sem luz: “Perdi o feijão todo que havia feito. E muitos remédios de criança e comida estão estragando”, dizia uma moradora.
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