O casamento de papel passado ou no religioso está cada vez mais raro. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o total de matrimônios caiu. Em 2009, foram 935.116, contra 959.901 no ano anterior. Uma redução de 2,3%. Mas ainda há gente que não dispensa o compromisso formalizado. É o caso da empregada evangélica Marilene Batista, 41 anos. Tão consistente era seu sonho de um casamento civil e na igreja que ela não pensou duas vezes e carregou o amado para o altar, sem aviso prévio.
No sábado à tarde, essa baiana de 1,47m e 40kg, mobilizou o Jardim Roriz, na cidade mineira de Planaltina, a fim de fazer uma surpresa para Carlos Henrique de Jesus, 41 anos. Com a justificativa de que seria padrinho, o moço caminhou lentamente pelo tapete vermelho da igreja evangélica Casa da Bênção, uma construção simples de 200m² com telhado de zinco, janelas de vitrais coloridos e ornamentada com lírios e rosas de plástico.
O trabalhador terceirizado do Banco Central nem imaginava que dali a 10 minutos teria de responder ao decisivo sim ou não do “até que a morte os separe”. “Quero ver a cara que ele vai fazer”, divertia-se a dona da ideia enquanto arrumava os cabelos em um salão a 5 quilômetros da igreja. Compartilhavam de sua expectativa todas as 120 pessoas que lotaram o espaço da cerimônia para ver a reação de Carlos.
Na prática, o romance entre Marilene e Carlos já tem status de bodas de prata: eles estão juntos há 25 anos e já têm dois filhos — Adriano, 20 anos, e Débora,10. Uma família de pouca altura e muita atitude, principalmente do lado da mãe. Conhecida como uma “baixinha espoleta”, Marilene vem organizando o casamento sozinha, desde outubro do ano passado, período em que conseguiu arrecadar cerca de R$ 2.500 para as despesas. Os padrinhos contribuíram com o que puderam. A patroa, Cirlene Valentim, ficou responsável pelo vestido, enquanto os pastores também ajudaram. Até Carlos, sem saber, investiu na empreitada. Nos últimos tempos, a companheira pedia dinheiro para comprar um presente e nunca dizia o que era. A noiva ainda ficou de pagar R$ 200 ao cabeleireiro no mês que vem. Mas nada lhe tirou a felicidade de realizar o casamento.
Sim ou nãoA Carlos, Marilene disse que precisava trabalhar no fim de semana e não iria chegar a tempo à igreja para cumprir o papel de madrinha. O jeito foi acompanhar Leiliane Lopes, o “falso” par. O relógio marcava 20h quando o pastor João Machado ramos iniciou um discurso bíblico para explicar a importância do casamento aos olhos de Deus e, logo em seguida, falou sobre as pessoas que têm coragem de realizar os sonhos. Carlos não prestava muita atenção: mãos cruzadas, polegares inquietos, coçava a testa, mexia os pés. “Pensava onde estaria minha baixinha”, explicou, após a surpresa da cerimônia.
Num determinado momento, o falso padrinho começou a perceber semelhanças entre a história que o pastor contava e a sua. De repente, ele ouviu, maneira enfática, o pastor pronunciar o nome de Marilene Batista. A mulher o convidava a casar-se novamente (em 2005, eles oficializaram a união no civil), agora no ambiente religioso. Surpreso, o noivo mal conseguia sair do lugar quando se deu conta. Colocou as mãos no rosto e, paralisado, tentou esconder as lágrimas. No primeiro instante, os convidados riram. A seguir, experimentaram uma dúvida: o choro de Carlos seria de desespero, tristeza ou alegria? Logo perceberam que se tratava da última opção.
Sem dizer uma palavra e com ajuda do mentor da celebração, Carlos dirigiu-se, então, ao corredor, com passos apertados e olhos baixos. Ao som da tradicional Marcha Nupcial, as portas em vidro fumê foram abertas. De lá, acompanhada pelo filho Adriano, surgiu a mais que esperada noiva. Pontualmente às 20h20, o encontro no tapete vermelho foi selado com um apaixonado beijo de amor, um gesto repetido diariamente, mas que, na noite de sábado, revestia-se do clima de renovação.
Ajoelhado em almofadas brancas, o casal ouviu conselhos sobre o cotidiano do casamento e a importância de um cuidar do outro. O pastor acentuou que os dois não devem se esquecer de manter a conquista da época de namoro: jantares, presentes e flores. “Ai, meu Jesus!”, Carlos olhou para cima e suspirou baixinho. As antigas alianças foram polidas e colocadas, como novas, no dedos anelares de ambos, já marcados pelo tempo.
Ao fim da cerimônia, o pastor aumentou o tom de voz e bradou: “Sejam felizes para sempre”. Marilene deu pulos de alegria: missão cumprida. Carlos, discreto, sorriu. Aos convidados, foi oferecida uma saborosa galinhada, no quintal da igreja. Sobre a lua de mel, a recém-casada disse fazer questão de desfrutar. Dessa vez, é tudo por conta do marido. Se ele sabia ou não desse outro detalhe, é outra história.
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