O ministro das Relações Exteriores, José Serra, ignorou três posições contrárias de áreas técnicas do Itamaraty erenovou a concessão de passaporte diplomático ao pastor Samuel Cássio Ferreira e à mulher do religioso, Keila Campos Ferreira. Samuel é investigado na Lava-Jato por supostamente lavar R$ 250 mil de propina destinada ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O dinheiro foi depositado em conta da igreja Assembleia de Deus, cujo diretor registrado na Receita é Samuel. Ele preside a Assembleia de Deus no bairro do Brás, em São Paulo. O Supremo determinou a remessa do inquérito para o juiz Sérgio Moro, em Curitiba (PR). O benefício foi concedido ao religioso no governo Dilma Rousseff.
Serra assinou a portaria que renovou os passaportes diplomáticos por três anos em 17 de maio, cinco dias depois de ser nomeado ministro pelo presidente interino, Michel Temer, e um dia antes de sua posse. Esse documento garante isenção de visto em determinados países e atendimento privilegiado em serviços de imigração. A área técnica do ministério foi de forma unânime contrária à concessão dos passaportes. O GLOBO obteve cópia do processo pela Lei de Acesso à Informação.
O primeiro parecer contrário foi do chefe da Divisão de Documentos de Viagem, Luiz Otávio Ortigão. “Não há explicação clara” sobre a concessão, disse em 5 de maio. Escreveu que Samuel é dirigente só da Assembleia no Brás e “não responde pela instituição no Brasil”. Esse tipo de pedido deve ser feito pela “autoridade máxima do órgão competente”. “Inclino-me desfavoravelmente à concessão”, opinou.
A diretora do Departamento Consular e de Brasileiros no Exterior, Luiza Lopes da Silva, endossou o parecer. O mesmo fez o subsecretário-geral das Comunidades Brasileiras no Exterior, Carlos Simas: “Endosso em sua plenitude.” O processo foi, então, ao secretário-geral das Relações Exteriores, Sérgio Danese, que se disse favorável: afirmou que eventual emissão por Serra deveria levar em conta o “caráter excepcional” da medida, amparado em decreto que “faculta ao ministro a concessão a pessoas que devem portá-lo em função do interesse do país”. Ao GLOBO, Danese disse que costumava opinar contra passaportes diplomáticos nessas circunstâncias quando subsecretário:
— Não havendo base legal, a decisão tem de ser do ministro. Eu passava a ele, a quem compete decidir. Coisa simples, mecânica. A prática vinha de antes. Mantivemos até que haja mudança de orientação. O ministro tem acesso aos pareceres.
O Itamaraty disse que o ministro “acompanhou o parecer do secretário-geral das Relações Exteriores”. E afirmou levar em conta o princípio de isonomia para conceder passaportes diplomáticos a religiosos, uma vez que cardeais da Igreja Católica os recebem. Em 2011, diz o Itamaraty, restringiu-se a benesse a dois passaportes a “dirigentes máximos” de denominações religiosas. “Foram concedidos passaportes diplomáticos a 11 representantes de confissões religiosas”.
A concessão do documento com base no critério de “interesse do país” está suspensa desde que a Justiça determinou a devolução dos passaportes diplomáticos do pastor R. R. Soares e da mulher dele, segundo o ministério. O benefício foi concedido por Serra.
O advogado do pastor Samuel, Antônio Carlos Castro, disse que o inquérito da Lava-Jato ainda não foi remetido a Curitiba e que existe “criminalização perigosa” do religioso que defende.
— É desfundamentada a acusação. Não houve crime — afirmou.
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