Segundo a reportagem, nos últimos três anos, os muçulmanos passaram de 300 mil para 400 mil apenas no estado de São Paulo. No Brasil, são 1,5 milhão de muçulmanos e 70 mesquitas.
Leia a reportagem na íntegra:
Para entrar no mundo de Alá, basta um gesto simples: testemunhar diante de um muçulmano que não há outra divindade além de Deus e que o profeta Muhammad é o último de seus mensageiros. Para quem vive em um país sem vínculo histórico com o islã, o passo seguinte --praticar a religião-- não é tarefa fácil. Mas, se esse país for o Brasil, há sempre um jeitinho.
A julgar pelas estimativas, os desafios impostos por um país majoritariamente cristão parecem não funcionar como empecilho aos novos seguidores de Alá. No Estado de São Paulo, os muçulmanos passaram de 300 mil para 400 mil nos últimos três anos, segundo estimativa da Wamy (Assembléia Mundial da Juventude Islâmica) e da Comunidade Muçulmana no Brasil. Em média, 40 brasileiros por mês se convertem ao islã, diz o xeque Jihad Hammadeh, 40, vice-presidente das duas entidades. Número baixo se comparado ao dos milhares arrebanhados pelas igrejas evangélicas, mas surpreendentemente alto se considerarmos que o islã segue na berlinda da mídia mundial depois dos atentados do 11 de Setembro.
Apesar da escassez de informações oficiais e das previsões hipotéticas a respeito da difusão da religião no Brasil, a expansão do islã é um fenômeno global inconteste, afirmam estudiosos (leia texto na pág. 14).
O mais famoso brasileiro recém-convertido é o atleta Jadel Gregório, 24, que adentrou o mundo islâmico em dezembro passado. Em março, o triplista se casou com Samara Abdul Ghani, de origem libanesa. Com a união, ele pretende adotar oficialmente o nome Jade Abdul Ghani Gregório.
No Brasil, a maioria dos revertidos --pelo Alcorão, todos nascem muçulmanos, se convertem a uma determinada religião e depois regressam ao islamismo-- é formada por mulheres de classe média, dos 20 aos 40 anos, que abandonaram o convívio com o catolicismo e o pentecostismo, principalmente. Exibem um perfil diversificado: de servidores a profissionais liberais, de estudantes a desempregados.
O último dado oficial é do IBGE. No censo de 2000, foram registrados 27.239 muçulmanos no país --a Wamy acredita que cheguem a 1,5 milhão, espalhados por cerca de 70 mesquitas.
É complicado ser muçulmano num lugar como o Brasil, cheio de descontração, conta Maria Silvana Pereira, 34, a Jade, dançarina do ventre, ex-católica, que declarou sua fé há cinco anos, depois de ter ficado encantada com a cultura islâmica.
O encanto inclui, no caso de Jade, a sublimação de certos fundamentos da religião. Arranho um pouco no árabe, mas não faço as cinco orações diárias. Sempre beijo as pessoas no rosto. Eles condenam inclusive minha dança. Algo me diz que estou pecando, desabafa. Pelo Alcorão, Jade sabe que peca. Mas não pensa em abandonar a dança nem a religião. No Islã, Deus perdoou Adão e Eva. Deixei de carregar aquela culpa.
Com sombra nos olhos, brinco de argolas e uma rosa tatuada no pulso esquerdo, Jade diz que é uma mulher que não se deixa dominar. Seu testemunho aconteceu em uma mesquita, onde mulheres não entram sem véu e ficam sempre atrás dos homens. Planejo usar o véu, só não sei como vão lidar com ele onde trabalho.
Muçulmana punk Adotar o hijab (véu) --cuja função é proteger a mulher da cobiça masculina-- também é a sina da auxiliar administrativa Fernanda Mendonça, 19, filha de católicos não-praticantes, ex-freqüentadora das igrejas Batista e Testemunhas de Jeová, há dois anos muçulmana por conta de uma promessa para salvar a mãe de uma doença grave. Quem vê Fernanda na mesquita não imagina que o véu encubra um cabelão cor de cereja, estilo punk, na linha da atriz Franka Potente, de Corra, Lola, Corra.
Estou me acostumando aos poucos. Tenho uns 15 véus diferentes, mas quero juntar cem para combinar com tudo e usar no dia-a-dia. Acho um charme.
Na interpretação de Fernanda, ser muçulmana implica uma série de renúncias. Mais do que referência religiosa, o Alcorão é um guia de conduta, descreve. Ao contrário do que muitos pregam, ela não se sente discriminada no islamismo. A mulher é uma jóia. E jóias não devem ser exibidas, mas guardadas com amor, diz, citando o livro sagrado dos muçulmanos.
A relação dos neoconvertidos com o islã ocorre às margens das comunidades tradicionais árabes e busca identidade própria. Afinal, não é a mesma coisa ser muçulmano no Oriente Médio e no Brasil, assim como é diferente ser católico na Argentina e nos EUA. Quantos são os islamismos dentro do chamado mundo árabe? Certamente podemos observar muitas interpretações do Alcorão que levam a diferentes normas de conduta, analisa a antropóloga Regina Novaes, do Iser (Instituto de Estudos da Religião).
Quem já viajou para países de maioria maometana sabe que as convocações feitas pelos muezim (religioso que chama para as cinco orações diárias) não costumam ser atendidas com tanto fervor.
Nesse quesito, há quem diga que os brasileiros neo-islâmicos demonstram comportamento exemplar. Eles estudam muito. Conheço brasileiros mais fiéis que árabes, diz a libanesa professora de artesanato Abla Assaad, 39, 20 deles no Brasil.
Acho um milagre deixarem a religião deles em português e entrarem na nossa, completa a dona-de-casa Zeina Jaber Aref, 40, também libanesa. Não uso véu, não faço as cinco orações todos os dias. Os brasileiros tentam fazer tudo certinho, confessa a secretária Keide Taha, 45, filha de árabes.
Mohamad Ismail Mazluom, 46, libanês, há 18 anos no Brasil, acha que faltam informações em português para orientar melhor os brasileiros. O idioma é o maior obstáculo. De olho no crescimento dos revertidos, Mohamad criou há seis anos a Caravana da Fé, empresa que traduz CDs, livros e o Alcorão para o português.
Outro exemplo de versão brasileira é a mussala (sala de orações) Bilal al Rabachih, a primeira mesquita com base administrativa majoritariamente negra, inaugurada no último dia 12 em dois andares de um prédio da praça da República. Lá, o português é a língua oficial.
Aqui não há preconceito como no lado dos árabes, diz o ex-rapper e comerciante Diogo Rodrigo Cornélio Pinto, 22, que virou Muhammad Umar cinco anos atrás e freqüenta a mussala da República ao menos três vezes por semana.
Criado entre o catolicismo e o candomblé, Muhammad se converteu por influência de rappers americanos pacifistas, como KRS-One.
Inspiração política O preconceito não está circunscrito às facções étnicas, acha Ali Achcar, 34, filho de libaneses cristãos ortodoxos, há 16 anos no islã, oito deles na Arábia Saudita. Segundo ele, sinais de intolerância também se manifestam nas ruas da cidade. As pessoas te chamam de Bin Laden, não dá para parar em qualquer lugar para rezar, arrancam os véus das mulheres, fazem piadas, diz.
Xeque do Centro de Divulgação do Islã para América Latina, Ali não raspa a barba desde 1990 --orientação do Alcorão-- e sempre veste a galabia (camisolão). Chama a atenção por onde anda. Estou acostumado. O difícil mesmo é ficar só, sem carinho, diz ele. Sexo? Jura que há muito tempo não pratica.
Também inspirado por um artista negro engajado, Adílson Dias, 35, foi levado ao islã pelos filmes do cineasta Spike Lee, diretor de Faça a Coisa Certa e Malcom X. O cinema me incentivou a pesquisar. Descobri que o primeiro grande contingente de muçulmanos que chegou ao Brasil era formado por escravos. Em 1835, eles participaram da Revolta dos Malês, na Bahia, uma rebelião contra a escravidão, conta Suleyman Assuad, ex-Adilson e ex-católico-umbandista. Foi uma motivação política que me levou a Alá.
O xeque Jihad acha que a reflexão política é o principal fator que move os brasileiros em direção ao Alcorão. Depois do 11 de Setembro, a exposição maciça do islã fez com que se questionasse o que era fato ou invenção. Ele argumenta que a ação dos EUA em conflitos mundiais também pode ser pivô desse interesse.
A professora de história contemporânea da USP Maria Aparecida de Aquino descarta essa relação. Num país de religiosidade muito presente, o trânsito entre as crenças é um fenômeno constante e natural, diz ela. Há cerca de 15 anos, tivemos o crescimento das igrejas pentecostais, principalmente as midiáticas, como a Universal do Reino de Deus. Na seqüência, houve a movimentação em torno dos católicos carismáticos, explica. A religiosidade brasileira é receptiva. Talvez no islamismo os fiéis estejam procurando uma igreja mais ativa em todos os sentidos, que insira uma participação mais direta de seus seguidores, diz.
Para a antropóloga Regina Novaes, o país tem como característica promover o encontro de doutrinas diferentes, produzindo novas sínteses. Há uma predisposição sincrética na nossa cultura. Teremos um islamismo à brasileira? Existem chances.
Maria Aparecida vai além. A professora enxerga na desesperança política uma forma de o brasileiro embutir na religião alguma solução imediata.
Num cenário dominado por intrigas e mensalões a perder de vista, o terreno parece mais que fértil.
Um islã brasileiro?
O islã é a segunda maior religião mundial --e aquela que mais cresce devido a três fatores. Em primeiro lugar, a maioria do 1,3 bilhão de muçulmanos mora no vasto arco que se estende da África ocidental até a Indonésia, passando por Oriente Médio e Índia: países pobres com alto índice de natalidade. Segundo, o islã é uma fé expansionista, monopolista da verdade. Embutida nela há a obrigação de converter todo o mundo.
A única outra religião com taxa de crescimento comparável são os evangélicos protestantes. Na África, em particular, as duas estão numa competição acirrada. Além disso, uma vez convertido, o novo muçulmano não pode mais desistir. Como resultado, o islã, que além de princípios dogmáticos proporciona um estilo de vida abrangente e um controle social mútuo, sofre menos erosão do que outras religiões.
Diásporas muçulmanas concentradas encontram-se hoje na Europa e nos EUA. Na América Latina, os muçulmanos, na maioria descendentes de imigrantes sírio-libaneses (turcos) e de escravos de origem africana islamizada, são tradicionalmente mais dispersos, menos numerosos e visíveis. Tal quadro começa a mudar, pois aqui também estamos assistindo a uma expansão.
Não há estatísticas confiáveis, mas é possível especular sobre as causas do crescimento no Brasil. Primeiro: a volta à religiosidade de pessoas formalmente já muçulmanas, mas assimiladas ou alienadas da fé ancestral (fenômeno encontrado em outras religiões).
Pregadores islâmicos pescam também numa segunda lagoa: os jovens excluídos e marginalizados das grandes cidades. Eles encontram Deus e um novo sentido numa fé que reestrutura a vida através de regras, deveres e proibições puritanas e relativamente simples. O processo lembra o das várias igrejas evangélicas competindo no mercado da felicidade. E, como estas, os renascidos em Alá podem depois, graças ao apoio da comunidade solidária e à repressão ao sexo livre, álcool e drogas, combinar a rejeição da sociedade decadente que os cerca com um desempenho bem capitalista.
Uma terceira fonte de convertidos são os grupos que se sentem discriminados e buscam uma nova identidade coletiva e mais política, desafiadora do sistema ocidental predominante. Nos EUA, mais de um milhão de negros pertence à Nação do Islã, religião sincrética militantemente antibrancos e separatista (Malcolm X foi um de seus porta-vozes). O fenômeno poderia se repetir aqui, e não se limita necessariamente a um critério racial. Uma minoria pode até escorregar para tendências violentas.
Porém o islã é muito mais pluriforme do que se imagina. Fundamentalistas terroristas, embora super-representados na mídia, constituem apenas uma ínfima minoria. O islã contém em seu bojo tendências mais místicas e tolerantes, tais como os sufis. Essa linha pode atrair um quarto grupo, de pessoas em busca de uma espiritualidade mais esotérica, com um perfil semelhante ao daqueles que abraçam o budismo ou a meditação transcendental.
O Brasil, tolerante para uma grande quantidade de crenças, será um chão igualmente fértil para uma religião austera como o islã, à primeira vista pouco condizente com a (talvez ilusória) sensualidade que é a marca de exportação de nosso país? Por enquanto a questão está em aberto...
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