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Religião beneficia sociedade, mas por motivos "egoístas", sugerem pesquisas

Religiões do mundo inteiro pregam a compaixão e a caridade, mas será que seus seguidores praticam mais essas virtudes, em média, do que os não-crentes? E o impacto religioso na vida social é positivo? De acordo com um estudo recente, a resposta mais provável é “sim” para ambas as perguntas — mas com qualificativos importantes. Os dados experimentais sugerem que as pessoas religiosas tendem a seguir o que pregam na vida social — mas principalmente em contextos que favoreçam sua reputação diante dos outros, e dirigindo seus atos compassivos e caridosos, em geral, a membros de sua própria fé.

A hipótese de que a religião faz bem para a vida em sociedade, mas pelos motivos aparentemente “egoístas” citados acima, é defendida por Ara Norenzayan e Azim F. Shariff, psicólogos da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá. Em artigo na prestigiosa revista especializada americana “Science” , a dupla faz uma revisão dos principais trabalhos já publicados sobre a origem e a evolução dos aspectos “pró-sociais” — ou seja, favoráveis à vida em sociedade — da religião.

Essa área de pesquisa ainda está na infância, mas já trouxe alguns insights importantes sobre o fenômeno religioso. Os pesquisadores não estão interessados em provar ou desprovar a existência de Deus (há tanto pessoas de fé fervorosa quanto ateus entre eles); a idéia é apenas entender como a religiosidade e suas interações com a vida social surgiram ao longo da evolução humana.

O questionamento é simples: seguir as pregações das diferentes fés tem um custo significativo. Tanto o código de ética pregado por Jesus nos Evangelhos (“Amai vossos inimigos”) quanto a versão menos tolerante do Antigo Testamento (“Olho por olho, dente por dente”), só para citar os exemplos mais conhecidos no Ocidente, exigem um esforço social significativo, seja para mostrar compaixão até com os piores malfeitores, seja para punir criminosos com a lei do talião. A idéia, portanto, é que existem mecanismos mentais ou sociais capazes de “convencer” as pessoas de que vale a pena seguir algum tipo de mandamento.

Deus está vendo

A hipótese mais provável, dizem Norenzayan e Shariff, é que o principal mecanismo tem a ver com o agudo senso de reputação dos seres humanos — a nossa necessidade de projetar uma imagem positiva para os outros e para nós mesmos. Afinal, ninguém gosta de aproveitadores, e essas pessoas, se descobertas, tendem a ser excluídas das interações sociais.

Pesquisas seguidas mostraram que pessoas religiosas têm mais probabilidade de relatar comportamentos pró-sociais (como doações de caridade e voluntariado) do que as não-religiosas, mas na prática essas ações parecem estar atreladas à reputação. Ou seja, à idéia de que “Deus está vendo” — e os outros também.

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Os indícios de que isso é o que acontece são múltiplos. Em jogos econômicos de laboratório, por exemplo, a probabilidade de os participantes se comportarem como espertalhões cai drasticamente se não houver anonimato. Mais interessante ainda, a simples exposição a fotografias de olhos humanos, ou mesmo a desenhos esquemáticos de olhos, diminui a chance de trapaça nesse tipo de jogo, indicando que uma forma “não-concreta” de impedir o anonimato também leva ao aumento das ações pró-sociais.

E se os olhos forem substituídos por um agente sobrenatural/divino? Pois, em outro estudo psicológico de laboratório, universitários trapaceavam menos num jogo de computador se alguém comentasse com eles que o fantasma de um aluno freqüentava a sala onde estavam, ou se eles eram induzidos a pensar em Deus. Numa pesquisa com crianças, que ficavam sozinhas com uma caixa fechada e eram orientadas a não abri-la, o grau de obediência aumentava quando o pesquisador dizia a elas que a fictícia “princesa Alice” estava olhando.

Uma série de estudos também demonstra que, quando não há algum componente de “reputação” (em relação a Deus, aos outros ou a si mesmo), religiosos não são mais suscetíveis a agir de forma pró-social que não-religiosos. Num clássico experimento “Bom Samaritano”, inspirado na famosa parábola de Jesus no Evangelho de Lucas, uma pessoa fingia estar caída na rua, precisando de ajuda, bem no caminho dos recrutados para participar de um experimento. Quem tinha religião não ajudou o coitado significativamente mais do que quem não tinha.

Confiança é tudo

Os pesquisadores do Canadá também avaliaram alguns estudos etnográficos e experimentais intrigantes, que parecem mostrar um maior grau de confiabilidade, seja real ou percebida, entre religiosos praticantes. Em fazendas comunitárias fundadas nos EUA no século 19, por exemplo, houve uma correlação estatística entre as bases da comunidade — religiosa ou secular — e sua sobrevivência: as comunas religiosas duraram mais tempo, com menos conflitos.

Em outro tipo de jogo econômico de laboratório — uma pessoa recebe uma quantia em dinheiro e tem a opção de dar parte dessa quantia para um parceiro, o qual, então, tem a quantia recebida dobrada e pode rachar os lucros com o doador original –, a religiosidade também parece cimentar a confiança. Pessoas religiosas tendem a ceder mais dinheiro para o parceiro, e os religiosos que recebem essa soma parecem também devolver somas mais substanciais. É como se a religiosidade fosse percebida como um indicador de confiabilidade social.

Outro dado preliminar mostra uma correlação entre o tamanho das sociedades e o “tamanho” de seus deuses. (“Tamanho”, neste caso, tem a ver com o conceito mais abstrato da interação desses deuses com a realidade e o mundo humano — eles são “maiores” se forem onipotentes, oniscientes e supremamente bons, por exemplo.) O que parece ocorrer é que sociedades “grandes” também têm deuses “grandes”, o que facilitaria a coesão social entre grupos numerosos de estranhos.

Fonte: http://noticias.gospelmais.com.br/religiao-beneficia-sociedade-mas-por-motivos-egoistas-sugerem-pesquisas.html


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