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Programa de televisão difama igreja protestante uzbeque

Um pretenso "documentário" televisionado regionalmente deixou toda a comunidade convencida de que uma congregação protestante é um grupo "extremista" pior que os islâmicos fundamentalistas.
 
Intitulado "Zalolat" (Desastre), o programa "bombástico" de 22 minutos, mostrou, de forma sensacionalista, uma batida policial, realizada em junho passado, na Igreja do Evangelho Pleno, em Urgench, capital da província de Khorezm, noroeste do Uzbequistão.
 
O programa intercalou cenas da invasão de 26 de junho com entrevistas com a polícia, representantes judiciais e muçulmanos do lugar. O apresentador do programa e os participantes pintaram o pastor Ruzmet Voisov e sua congregação como "extremistas cristãos", culpados de violar as leis do país e de tentar destruir a estabilidade nacional.
 
Um cristão uzbeque da região disse à agência de notícias Compass que, depois que as pessoas viram o programa, lhe disseram: "Os 'wahhabis' são muito melhores que vocês.". "Wahhabis" são grupos muçulmanos banidos que lutam para colocar no lugar do governo uzbeque um Estado islâmico.

Conforme os cristãos uzbeques da área coberta pela TV Khorezm, seus parentes, vizinhos e toda a comunidade foram influenciados pelo que um líder de uma igreja doméstica chamou de "essas terríveis mentiras e acusações" emitidas contra os cristãos evangélicos e sua fé.
 
O pseudo-documentário foi exibido ao menos duas vezes, dia 27 de julho e de novo em 10 de agosto. O canal popular de língua uzbeque pode ser sintonizado em toda província de Khorezm, na região autônoma de Karakalpaquistão e no leste do Turcomenistão.
 
Em uma cópia de CD do "Zalalot" obtida pelo Compass, um policial abria o programa lendo uma série de acusações contra os homens e mulheres pegos cultuando em uma igreja não-registrada de Urgench em dia 26 de junho. Declarando que o grupo não tinha licença oficial para se reunir e cultuar e usava livros "ilegais", o policial acentuou que os cristãos têm deliberadamente violado as leis da religião por dois anos.
 
O governo uzbeque comumente nega o registro das igrejas como um pretexto para reprimi-las.
 
Entre tomadas panorâmicas da congregação, a câmera focaliza em Bíblias uzbeques e turcas nos bancos das igrejas ou sendo seguradas pelos membros. A despeito dos esforços das autoridades em reprimir o material cristão em uzbeque, o Novo Testamento é impresso e vendido legalmente no país.
 
Cristãos 'causam divisão'

Na maior entrevista do programa, a juíza local Gulchenhera Qulimova fala de seu gabinete, acusando a igreja em Urgench de causar divisão entre o islamismo e o cristianismo. Ela declarou que "o presidente Islam Karimov já foi avisado desse tipo de atividade no solo uzbeque".
 
Em outro segmento, um imã muçulmano identificado como Davron Abdulqudirov declara que as atividades missionárias cristãs entre os muçulmanos estão fora dos mandamentos do Novo Testamento.

O clérigo cita Mateus 15.24, afirmando que Jesus havia dito aos seus seguidores para evangelizar apenas os judeus, "a ovelha perdida de Israel" e que os cristãos que tentavam evangelizar muçulmanos estariam desobedecendo a ordem de Jesus.

Um cristão uzbeque comentou: "Um imã falar como entendido sobre o significado de um versículo da Bíblia é o mesmo que pedir a um rabino judeu para explicar o Alcorão!".

O imã prossegue, proclamando a precedência do islamismo sobre o cristianismo, conforme revelado no chamado Evangelho de Barnabás, uma fraude medieval usada por apologéticos muçulmanos desde o século XV para minar a teologia cristã.
 
No encerramento, o programa alerta os telespectadores contra esses cristãos "extremistas", que estariam visando jovens e crianças em suas atividades de proselitismo. O programa afirma que mais de mil dólares foram oferecidos como suborno para potenciais convertidos ao cristianismo.
 
Um advogado que examinou o filme disse que os próprios representantes do governo violam a lei durante todo o programa. Mas dado ao clima de repressão religiosa da nação, os líderes de igreja se abstiveram de processar o canal de televisão ou as autoridades que participaram do programa.
 
Filmando a oferta

A Igreja do Evangelho Pleno de Urgench começou com poucos cristãos uzbeques se reunindo no fim da década de 1990. Em 2000 ela havia chegado a um grupo de 60 pessoas. Depois que o pastor Ruzmet e sua família voltaram de um ano de treinamento na Escola Bíblica Tyrannus na Turquia, eles compraram uma casa grande, fazendo aos poucos um santuário para a crescente congregação.
 
Até junho de 2005, havia uma média de 150 a 200 pessoas nos cultos de domingo.

O pastor disse ao Compass que, no mês anterior à invasão da polícia, pelo menos 50 membros da igreja foram chamados para interrogatório pela SNB (a polícia secreta). No domingo antes da batida, dois desconhecidos entraram no culto, olharam em volta e saíram.
 
Mas na semana seguinte, em 26 de junho, um ônibus da polícia antiterrorismo estacionou na igreja às 10 horas, enquanto o culto estava sendo feito. Oito ou nove homens entraram na igreja, e pelo menos três deles possuíam pequenas câmeras de vídeo.
 
A SNB declarou a reunião ilegal e exigiu os passaportes dos participantes, dizendo: "Vocês não têm registro. Sua reunião aqui é ilegal." Quando o pastor Ruzmet pediu aos oficiais da SNB para provar sua identidade ou um mandado de busca, eles negaram.
 
Enquanto o pastor se reunia com alguns dos policiais em um outro cômodo da casa, os outros disseram aos membros mais velhos da igreja para irem embora e mandaram os mais jovens se sentarem enquanto eram filmados. Alguns policiais zombaram das jovens presentes na congregação, tomando seus braços, propondo casamento e sugerindo que elas fossem com os policiais para um bar em vez de ficarem sentadas na igreja.
 
O pastor Ruzmet e sua mulher Muhabbet tiveram que ficar em frente às câmeras da polícia e contar o dinheiro da oferta. Essa imagem foi usada na televisão para acusar o pastor de ficar rico pela coleta de grandes somas de dinheiro de sua congregação.
 
Por fim, 40 membros da igreja foram colocados no ônibus e levados à delegacia. Junto do pastor Ruzmet, que foi levado separadamente. Todos receberam ordens para escrever e assinar uma explicação para o que eles estavam fazendo nessa reunião "ilegal". Depois eles foram liberados.
 

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Questionado no tribunal

Naquela semana, o pastor Ruzmet e sua mulher foram intimados a retirar os livros que tinham sido confiscados da igreja. Mas as intimações eram um truque para mandá-los da delegacia para o tribunal de Urgench.
 
Chegando lá, o juiz os bombardeou com perguntas: "Vocês são cristãos? Por que vocês acreditam no cristianismo? Por que vocês estão tentando começar uma igreja? Por que vocês não acreditam no islamismo?".
 
O pastor e sua mulher responderam às questões do juiz tão bem a ponto do taquígrafo parar de tomar notas e apenas escutar, até que ele foi lembrado pelo juiz para continuar a escrever.
 
Depois de questioná-los, o juiz pediu que fossem para outra sala. Quando foram chamados, 20 minutos depois, o juiz passou à leitura da sentença. Mas ao afirmar que o pastor não tinha educação teológica e que estava desempregado, Ruzmet o interrompeu.
 
"Isso não é verdade", ele afirmou. "Trabalhava até maio passado no gabinete do prefeito e recebo uma pensão." O juiz ficou quieto enquanto Ruzmet mostrava seu livro de pensão, confirmando suas afirmações. No fim, o juiz adiou a decisão para o dia seguinte.
 
Quando o casal voltou, em 29 de junho, a corte os considerou culpados de iniciar uma igreja ilegal, de acordo com o Artigo 216 do Código Administrativo. Quando eles se recusaram a pagar a multa, a corte confiscou a oferta da igreja de 28 mil sums (24 dólares). Se o pastor Ruzmet não pudesse provar que estava empregado, o juiz admitiu, ele também seria sentenciado a 15 dias de prisão.
 
"Agora eles ouvem nossos telefonemas e vigiam nosso templo", disse o pastor. "E eles disseram a todos os nossos membros que se eles fossem pegos outras vezes participando de cultos na nossa igreja, eles seriam processados". Sob a lei uzbeque, a reincidência na infração de uma lei administrativa é considerada crime, que acarreta multa e penas de prisão.

Por causa disso, a congregação não pode mais se reunir como um grupo. Os membros foram forçados a se dividir em pequenos grupos, e se reunir em várias casas.
 
Enquanto isso, o pastor apelou tanto ao gabinete do promotor público como à Suprema Corte do Uzbequistão da decisão contra ele.
 
Opressão de dezembro

Centenas de cidadãos uzbeques de origem muçulmana se converteram ao cristianismo desde que o país declarou sua independência em 1991. Embora dezenas de grupos uzbeques se reúnam em igrejas domésticas por todo o país, ninguém foi capaz de obter o registro legal.
 
No começo de janeiro, agência de notícias Forum 18 News reportou uma "limpeza", começando em 16 de dezembro, nas atividades religiosas em Tashkent, exigindo que agências do governo realizassem checagens detalhadas em todas as reuniões "oficiais ou não" de grupos religiosos em cada distrito da capital.
 
De acordo com uma cópia das medidas obtidas pela agência, 34 comunidades religiosas não-muçulmanas e 114 muçulmanas estão registradas em Tashkent. As autoridades locais foram instruídas a barrar qualquer organização não-registrada ou atividade missionária relacionada.
 
Na prática, o Uzbequistão nega registro legal a novas congregações religiosas, o que dá ao Estado um pretexto legal para condenar todas as atividades religiosas não-registradas.

Fonte: https://www.portasabertas.org.br/noticias/2006/01/noticia2362/


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