Ela é a única alma feminina em um altar com 15 homens de terno e gravata, 50 anos em média. De vestido floral decotado, saltinho alto e gloss –aquele batom que deixa os lábios molhados–, Ana Carolina Dias, 13, abre a Bíblia e anota palavras na palma da mão enquanto espera ser chamada ao púlpito.
Celebridade no meio evangélico, a menina ganhou fama em 2007, quando foi parar no YouTube um vídeo em que ela, aos sete anos, prega aos berros para uma multidão de fiéis, a quem chama de “meirmão”. As imagens foram remixadas por um DJ e transformada no “Funk da Menina Pastora”, que concorreu na categoria web hits, do VMB, da MTV, com “Vai Tomá no C…” e Eduardo Suplicy cantando rap no Congresso.
De lá para cá, a pastorinha divide a vida entre pregações em favelas, hospitais e presídios do Rio, onde mora, e igrejas de todo o Brasil e até do exterior -já esteve nos EUA e na Alemanha.
No último domingo, após ser anunciada com pompa pelo pastor local, passou duas horas no comando de um culto na Catedral das Assembléias de Deus de Limeira (151 km de São Paulo), para onde viajou de ônibus, acompanhada do pai e da mãe.
Com o microfone na mão, Ana Carolina se transforma. Um metro e meio de altura, cabelos abaixo da cintura, não chama mais os fiéis de “meirmão” e sim de “querido”, mantendo o carioquês em alto (muito alto) e bom som. “Quando pensar em desistir, querido, lembre que Deus sofreu muito por você”; “Vai dando glória, querido, alto, vai abrindo a boca e glorificando, querido”. E olha para o controlador de som o tempo todo: “Agora sobe o som, querido [faz sinal com a mão para cima]”; “A faixa três do branquinho, querido, isso”.
Em poucos minutos, está descalça. Desafinada, canta hinos com os olhos fechados voltados para cima e o dedo indicador apontado para o teto, no caso, o céu. Lê um trecho sobre Abraão na Bíblia, que carrega em uma bolsinha de alça preta com brilho, e interpreta a passagem: “Depressão não pega em crente? Pega, querido. E não vai curar com remédio ou psicanalista [agora berrando] Quem vai preencher esse vazio se encontra hoje aqui. É Jesus!”
Não veeendo, não trooco!
Seu pai, pastor Ezequiel, 50, funciona como um assistente. Enquanto Ana Carolina sai em meio aos fiéis para abençoar alguns escolhidos por ela (“por Deus”), ele canta no altar. Na platéia, a garota coloca as mãos na cabeça e no peito de alguns homens e mulheres, que choram. De volta ao altar, o culto está no fim, e ela se posta ao lado do púlpito, onde apóia o cotovelo. “Levanta as mãos… Não, vâmo provocar o satanás!”, provoca, para euforia dos fiéis, que repetem várias vezes. “Satanás, minha bênção eu não dooou, não veeendo e não trooco!”
O pastor local agradece Ana Carolina, diz que os fiéis têm que comprar não um, mas três CDs dela, à venda na porta da igreja (um por R$ 15, dois por R$ 25, três por R$ 30). Enquanto autografa pôsteres, Ana Carolina conversa com a Folha. Fala que só gosta de música de igreja, navega pouco na internet e nunca teve namorado (“É cedo, preciso estudar”) e admite, rindo, ser “B.V.”, gíria adolescente para “boca virgem”, ou seja, nunca beijou na boca. “Tu tá por dentro, hein!”, comenta.
Sobre o funk que a celebrizou, é sincera: “Não é minha praia, mas confesso que foi interessante”. Destaca o novo filme de Walter Salles, para o qual cedeu imagens suas em ação, e lista veículos que a entrevistaram, entre eles, TVs de Portugal, Itália e Inglaterra.
E se pintasse convite para a ilha de “Caras”? “Se for de Deus, a gente vai”, diz o pai. “Bora”, concorda a pastorinha.
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