Na cúpula mundial sobre mortalidade materna, denominada “Women Deliver”, realizada em Londres na semana passada, a pastora luterana Judith van Osdol proferiu conferência, intitulada “Trapped between two gardens” (Apanhado entre dois jardins), quando narrou a realidade contrastante de duas mulheres, uma apanhada e expulsa do Éden e outra amando no jardim, como apresenta o Cantar dos Cantares.
O relato bíblico sobre o Jardim do Éden, do qual os seres humanos, culpados e castigados por suas transgressões, foram expulsos, introduziu a conferência da pastora, que o contrastou com o Cantar dos Cantares, uma poesia erótica em que a voz da mulher predomina em sua busca do ser amado – uma história sobre o encontro e o re-encontro da própria voz e ser sexual.
“O fato de que morre uma mulher por minuto por causa de complicações na gravidez e no parto, a grande maioria no Sul do Globo, está vinculado à falta de uma ‘cidadania sexual’ na sociedade, na cultura e nas igrejas”, definiu van Osdol.
O corpo da mulher, na perspectiva patriarcal, foi considerado objeto de posse, usado para ser venerado – no caso das virgens -, utilizado para vender produtos, vendido diretamente através do tráfico de pessoas, na escravatura moderna, ou utilizado como botim de guerra nos conflitos armados, analisou.
A pastora indagou como se chegou, então, ao jardim dos cantares, onde a voz da mulher é a que canta, onde ela adquire a voz principal? É a mulher quem procura, quem inicia, quem decide neste encontro erótico, sublinhou a conferencista. “Nada de passividade, posse, nem culpa nem castigo no jardim dos cantares”, disse.
Representante da Pastoral de Mulheres e Gênero do Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI), a teóloga afirmou que as mulheres estão presas ao primeiro jardim, do qual foram expulsas, culpabilizadas e castigadas, procurando entrar no segundo jardim, no qual ela se converte em sujeito moral – decidindo e gozando plenamente sua sexualidade. “Chegar ao segundo jardim significa fortalecer o conceito de cidadania sexual com um enfoque inequívoco sobre a justiça e a igualdade de gênero”, frisou.
A proposta de cidadania sexual, segundo a reverenda van Osdol, traz consigo tanto o conceito de direito como de responsabilidade, e exige conhecer e apropriar-se dos instrumentos dos Direitos Humanos, especificamente os que competem à igualdade de gênero e o tema da superação da violência.
Esses temas incluem os instrumentos que saíram das cúpulas mundiais como a do Cairo, a plataforma de Ação de Pequim, entre outros. “Esses instrumentos protegem e ressaltam a dignidade e integridade de cada pessoa, particularmente as pessoas mais vulneráveis e marginalizadas, e trata de velar por um mundo em que cada pessoa tenha valor”, argumentou.
Van Osdol acredita que para aquelas igrejas que mantêm compromisso histórico com os Direitos Humanos, tais instrumentos podem ser considerados sinais visíveis da mão de Deus na sociedade civil. “Às vezes se sente mais a graça de Deus e o compromisso com a dignidade e igualdade de gênero através desses instrumentos do que na prática e na política pública de nossas comunidades de fé”, sustentou a pastora.
A palestra da pastora luterana integrou os debates do painel “A mortalidade materna e as comunidades baseadas na fé”, convocado e patrocinado pelo Fundo de População das Nações Unidas.
O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) é uma agência de cooperação internacional para o desenvolvimento que promove o direito da mulher, do homem e da criança a desfrutarem uma vida sadia, com igualdade de oportunidades para todos. O UNFPA procura a cooperação com as comunidades de fé para poder abrir espaços de diálogo sobre a missão comum. Participaram do evento e painel líderes religiosos de diversas partes do mundo.
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