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Pastor e coordenador do movimento Rio de Paz: "ninguém aguenta mais essa violência", confira a entrevista

es já espalharam centenas de cruzes nas areias da badalada Praia de Copacabana, estenderam faixas de protesto diante do Palácio Guanabara – a sede do governo estadual do Rio de Janeiro –, soltaram balões vermelhos em homenagem aos mortos da guerra urbana e até simularam um cemitério clandestino usado por traficantes para dar um sumiço nos desafetos. Por trás de cada uma dessas ações pacíficas e criativas, está um grito de socorro – um brado de “basta” diante do descalabro em que se transformou a segurança pública brasileira, em geral, e a fluminense, em particular. O objetivo é mesmo chamar a atenção, e tais iniciativas têm repercutido pelo país e no exterior. É o “lobby do bem”, nas palavras do teólogo e pastor Antônio Carlos Costa, coordenador do movimento Rio de Paz. A organização não-governamental surgiu no fim de 2006 logo após um tenebroso episódio em que criminosos, em ação concatenada, saíram pela Cidade Maravilhosa praticando chacinas, incendiando ônibus com gente dentro e espalhando o terror. Em um único dia, 19 pessoas, incluindo trabalhadores e estudantes, estavam mortos.

O número assusta, mas ainda é pequeno se comparado às estatísticas, que dão conta de 6 mil homicídios por ano no estado do Rio de Janeiro. “Se incluirmos os casos de pessoas desaparecidas e baixas em confrontos com a polícia, chegaremos ao número de 10 mil”, diz Costa. Quando soube do arrastão da morte, ele resolveu agir. “Reuni alguns amigos e falei do meu desejo de partir para o enfrentamento pacífico e nas ruas”, lembra. Primeiro, ele conseguiu a adesão dos membros da Igreja Presbiteriana da Barra da Tijuca, da qual é titular. Em pouco tempo, vários crentes, militantes sociais e intelectuais aderiram. Hoje, o movimento é organizado, embora ainda não tenha muita adesão do segmento evangélico. “Nem sempre podemos contar com o apoio dos evangélicos para combater o problema da violência urbana no Brasil”, lamenta. Mas ele não desanima, e acredita que a pressão da sociedade sobre o poder público pode mudar as coisas. O mais curioso é que nem sempre Antônio Carlos é identificado como pastor nas reportagens sobre os atos públicos do Rio de Paz. “Mas quando a opinião pública nos vê correndo riscos pelo que cremos, expressando amor pela vida humana e lutando pelo que faz sentido, passa a nos respeitar”, acentua. O pacifista concedeu a seguinte entrevista a CRISTIANISMO HOJE:

CRISTIANIMO HOJE – Como pode ser definido o movimento Rio de Paz?
ANTÔNIO CARLOS COSTA – O Rio de Paz é o sonho de criar uma cultura de apreço pelos seres humanos no Brasil. Representa a luta pela defesa dos direitos humanos a partir do conceito cristão referente à santidade da vida humana. Seu foco principal, contudo, é a redução da letalidade no país, porque as mortes violentas são o maior problema social deste momento de nossa história. Rio de Paz é um movimento da sociedade civil e não tem ligação formal com nenhuma instituição religiosa – partimos, no entanto, de uma base intelectual cristã e temos nos evangélicos brasileiros a maior parte da nossa mão-de-obra e sustento. Nosso desejo é uma organização o mais ampla possível da população como um todo, a fim de exercer constante pressão social.

Quem idealiza os atos públicos do grupo?
Olha, não quero criar uma aura mística sobre o que estamos fazendo. Mas as ideias surgem em geral quando estou orando, e logo trato de compartilhá-las com integrantes do movimento. A partir daí, organizamos os atos públicos da maneira mais adequada para a comunicação da mensagem que queremos emitir.

Manifestações como as promovidas pelo Rio de Paz em Copacabana trazem grande repercussão, mas sempre levantam críticas de segmentos que enxergam em tais atos uma excessiva preocupação midiática e certa elitização, sobretudo pelo fato de serem realizadas na Zona Sul da cidade. Essa é a motivação do movimento?
Posso compreender a preocupação de muitos. Corremos mesmo o risco de só trabalhar para a mídia e atentar para os dramas da classe média. Mas, não é isso que queremos. Quando estamos na Zona Sul protestando, apontamos para os dramas dos pobres, que são os que mais morrem devido à violência. Nosso desejo é o de mobilizar a população – informar, despertar e mobilizar da forma mais extensa possível. Para isso, encontramos um meio: o protesto midiático. Criamos imagens que são levadas ao mundo inteiro através de todos os meios de comunicação. É por isso que usamos a Praia de Copacabana. A mídia gosta disso e hoje a temos ao nosso lado, numa parceria que nos surpreende e permite dizer para o Brasil e o mundo que milhares de pessoas estão sendo assassinadas no nosso país.

O fato de o senhor ser um pastor evangélico ajuda ou prejudica o movimento, nas relações do Rio de Paz com a mídia e com a sociedade?
Sinto que parti em desvantagem, pois parece que a opinião pública tem a nós, pastores, como gente despreparada, indiferente e não necessariamente confiável. Percebo, no entanto, que quando essa mesma gente nos vê correndo riscos por causa do que cremos, expressando amor pela vida humana e lutando pelo que faz sentido, passa a nos respeitar. Hoje, temos muitas pessoas nos apoiando – professores universitários, policiais, jornalistas, parentes de vitimas da violência, dirigentes de ONGs, entre tantos outros. A pergunta do apóstolo Pedro continua ecoando: “Quem nos vai perseguir se formos zelosos pelo que é bom?”. Quando as pessoas que não são cristãs veem nossas boas obras, glorificam ao nosso Pai que está no céu. O meu sonho é que o Rio de Paz faça a Igreja recuperar o respeito perante a sociedade brasileira.

Quais foram os casos de violência da crônica policial recente do Rio que mais o incomodaram?
O caso do João Roberto, menino de três anos morto por policiais na Tijuca no ano passado, foi certamente um desses casos que marcou a minha vida para sempre [N.da Redação: o crime aconteceu quando policiais militares abriram fogo contra o carro em que a criança estava com sua mãe. Eles disseram à Justiça que o confundiram com um veículo roubado]. Em todo o meu ministério, nunca vi dor maior do que a de um pai e uma mãe perante o corpo de um filho assassinado. Também chorei muito no enterro dos policiais assassinados na Fonte da Saudade [O soldado Francisco Alves Pereira Júnior e o sargento Joel de Almeida Gomes foram executados em serviço na região da Lagoa Rodrigo de Freitas, área nobre da cidade]. Estendi uma faixa no local do crime com os seguintes dizeres: “Mataram aqui dois seres humanos que trabalhavam em condições desumanas”. Saiu na primeira página de O Globo. No velório, vi quando a filha adolescente aproximou-se do corpo do pai. Ela olhou seu rosto, recuou e começou a gritar.

Existe algum tipo de parceria entre o movimento e outras instituições organizadas em torno do mesmo objetivo?
Nós temos mantido contato com várias organizações não-governamentais, como o Viva Rio, o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania e o Instituto Sou da Paz. Pesquisadores e professores universitários têm prestado ao Rio de Paz uma ajuda de valor incalculável. A ONU, através do seu escritório no Rio de Janeiro, concedeu-nos a honra de organizar em parceria três fóruns sobre segurança pública. Outro dia, uma pesquisadora disse algo que me fez muito bem. Para ela, é surpreendente a nossa capacidade de dialogar com todo mundo – mídia, meio acadêmico, parentes de vitima, policiais e, poderia acrescentar, a própria Igreja. Fico feliz, pois acredito que a Igreja do Senhor tem o chamado para fazer pontes entre os seres humanos. Afinal, os pacificadores serão chamados de filhos de Deus.

Como tem sido a reação das autoridades públicas diante das manifestações promovidas pelo Rio de Paz?
Já fui recebido pelo vice-presidente José de Alencar, pelo governador Sérgio Cabral Filho e seu secretário de Segurança, José Mariano Beltrame. Todos esses encontros foram muito cordiais e fui tratado com grande respeito. Pude falar tudo o que pensava. Apontei para os maiores absurdos e pedi providências. Mas não vi até agora nenhuma mudança significativa na segurança pública, especialmente aqui no Rio.

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O governo Sérgio Cabral tem sido acusado de incentivar a política do “atira primeiro e pergunta depois”, como no caso do pequeno João Roberto. Como mudar essa polícia? 
A polícia é parte do problema e parte da solução. Uma polícia corrupta, mal preparada e pessimamente remunerada torna a atuação dos seus melhores homens quase inviável. Sei de excelentes policiais que não conseguem trabalhar. É preciso maior controle sobre a ação policial. Não se pode botar uma arma nas mãos de um ser humano em nome de milhares de pessoas, com base em um pacto social, sem exercer controle algum sobre alguém dotado de tanto poder. Outra coisa – essa polícia não pode ser usada com fins políticos, que é o que tem ocorrido ultimamente no Rio de Janeiro. Falta ao atual governo uma explicitação da sua política de segurança, com a apresentação de metas, planejamento e cronograma. A sociedade precisa cobrar a apresentação de metas de redução de homicídios. E essa política pública tem que se transformar em política de Estado, e não de governo apenas. Não se pode permitir que aquilo que um governante fez de bom pela segurança não tenha continuidade no governo seguinte.

Por que o senhor começou a envolver-se com a questão da cidadania? 
Porque não consigo mais divorciar ética privada de ética pública. Não posso me preocupar apenas com álcool, dinheiro e sexo. Tenho que me preocupar também com violência, pobreza e falta de acesso à educação. A Igreja está precisando de mais homens de espírito público. Vivemos em um país no qual milhares de pessoas que têm seus direitos violados diariamente. E o pior é que não sabem em quê o Estado está falhando com elas, como também não sabem a quem recorrer. Como não sou especialista em segurança pública, tive que buscar muita informação com especialistas e ler um bocado, consultando tanto os clássicos sobre política quanto obras sobre crime, violência, controle social e segurança pública.

Além de coordenar o Rio de Paz, quais são suas outras atividades?
Exerço também a função de pastor na Igreja Presbiteriana da Barra, de onde recebo todo o meu sustento. Escrevo, viajo, dirijo um programa de televisão, mantenho um blog diário e presido um seminário teológico, além de estar fazendo doutoramento em teologia na França. Faço parte da diretoria do Instituto Bola pra Frente e sou conselheiro de uma denominação calvinista chamada Missão Plena.

Como sua família encara sua militância?
Temos passado dias difíceis. Há temores com possíveis retaliações e cerceamento da nossa liberdade, pois certamente temos gente acompanhando nossos passos. Confesso que senti certo alívio quando um dos meus filhos saiu do país para estudar.

Até bem pouco tempo, a ênfase nas igrejas era o céu. Costumava-se dizer dos púlpitos que, como os crentes não são deste mundo, as coisas terrenas deveriam tem pouca importância. Isso mudou radicalmente a partir dos anos 1980, e hoje a pregação escatológica virou uma raridade. O evangélico do século 21 quer prosperar e viver bem, com pouca visão da eternidade. Na sua opinião, quais as causas de tamanha guinada?
Sem a esperança cristã, a vida humana é uma piada trágica num contexto de total absurdo cósmico. Para mim, é um enigma como pessoas conseguem viver sem aguardar “novos céus e nova terra”. Quando a Igreja deixa de falar sobre o céu, priva o homem daquilo que dá sentido às suas ações na terra. O que está ocorrendo é que, com a perda do monopólio da verdade teo¬lógica por parte de uma única organização eclesiástica devido à Reforma Protestante, as igrejas passaram, com o decorrer do tempo, a ter sua vida regida por leis análogas às que regem o mercado. Todos estão procurando tornar seu produto mais atraente para atrair o consumidor. O que ocorre? Promessas que Deus nunca fez são feitas. Há mais preocupação com o reino da terra do que com o Reino do céu. Sempre que isso acontece, os seres humanos acabam não tendo nem uma coisa nem outra. A teologia da prosperidade quebrou o padrão protestante de produção de riqueza para a glória de Deus mediante trabalho duro. Hoje, pastores que enriquecem pregam para pessoas que fazem parte dos estratos sociais mais pobres da sociedade brasileira.

Vocês encontram dificuldades para mobilizar as igrejas? 
As tentativas de procurar ajuda nas igrejas foram feitas das mais diferentes formas. Nem sempre, lamentavelmente, pudemos contar com o apoio dos evangélicos aos quais expusemos o problema da violência urbana no Brasil. Se o Rio de Paz já tivesse alcançado o alvo de mobilizar a igrejas visando à resistência contínua e pacífica aos homicídios no Brasil, milhares de vidas já teriam sido salvas – inclusive a de irmãos nossos na fé. Sei de pastores que perderam a vida da forma mais banal e cruel. Por que não temos uma multidão de evangélicos nas ruas, protestando juntamente conosco?

E qual é a resposta?
Primeiro, porque a nossa liderança não dá a sua glória a outrem. Não tem o mínimo interesse de promover alguém enquanto faz o papel de coadjuvante. Não há o espírito da Trindade, onde uma pessoa serve a outra e a exalta. Segundo, por causa da teologia que exerce domínio majoritário sobre as mentes no Brasil. É uma teologia que não dá esperança de transformação social nem tem senso de graça comum. Essa teologia é capaz de enfatizar o aspecto privado da ética cristã, mas não a sua dimensão pública. É boa para fazer o jovem se preocupar com masturbação, mas péssima para levá-lo a se preocupar com justiça social. Vivemos uma espiritualidade que se preocupa com a igreja, mas não se preocupa com o país. E, em terceiro lugar, falta amor mesmo. Estamos dentro dessa atmosfera de indiferença tão presente na nossa sociedade. Contudo, em momentos de fundamental importância, pude contar com a ajuda de crentes de outras denominações, inclusive pastores, que abriram as portas de suas igrejas para o movimento, passaram madrugadas em claro conosco e constantemente têm nos encorajado.

O que há de falácia e de fato quando se atribui a violência ao agravamento da crise social? 
Estudos mostram que nem sempre a pobreza está ligada à violência. Há casos no Brasil de regiões onde as localidades mais pobres não são as mais violentas. O que vai determinar a violência é a ausência do Estado, tanto no que tange às políticas públicas quanto no que se refere ao poder de polícia, especialmente em áreas onde ocorre a dinâmica do narcotráfico associada à corrupção policial. Mas quem pode usar a miséria para justificar um traficante que arrancou os seios da namorada e a degolou em seguida? Nesse ponto, o cristianismo ajuda um bocado, pois somente ele nos dá uma base intelectual para enfatizarmos tanto a responsabilidade humana quanto a responsabilidade do Estado.

Mas a opinião pública já parece meio cansada de ouvir falar em defesa dos direitos humanos dos bandidos…
É, mas ser defensor dos direitos humanos implica ser também defensor dos direitos de quem praticou o crime. Nossa Constituição não prescreve para o apenado campo de concentração, que é o caso do sistema prisional brasileiro. A lei não autoriza ninguém a executar quando se pode prender. Isso, contudo, não significa ter uma relação romântica com marginais, ou dizer que miséria justifica a hediondez e que o Estado não deve exercer seu poder de coerção.

Nas vezes em que o Estado fez isso de maneira mais ostensiva, os resultados não foram dos melhores. A ação de forças militares federais na segurança do Rio já foi tentada algumas vezes – e só se conseguiu um efeito momentâneo. O senhor acha que o Exército na rua seria uma solução para a violência?
É claro que a solução do problema da violência envolve medidas de médio e longo prazo. Penso, no entanto, que alguma coisa precisa ser feita a curto prazo, se é que queremos salvar 10 mil vidas por ano – esse é o número total de mortes violentas se somarmos ocorrências como encontro de cadáveres, pessoas desaparecidas que na verdade estão mortas, homicídios dolosos e latrocínios e execuções praticadas pela polícia. Salvar toda essa gente num contexto de falta de policiamento ostensivo à altura da necessidade, do uso de armas de guerra por parte de narcotraficantes e diante do domínio territorial armado por parte do crime organizado, demanda, na minha opinião, uma ação análoga à que o Exército brasileiro levou a cabo no Haiti.

E o que dizer do papel das classes média e alta na perpetuação do panorama de violência na cidade, sobretudo na questão do mercado de entorpecentes?
Estas são as maiores responsáveis por toda essa tragédia social. Apesar de toda informação que possuem, esses estratos sociais não agem, esperando um parente ser assassinado para abrir uma ONG. Os mesmos que consomem cocaína são os que querem a morte daqueles que são sustentados e compram armas com o dinheiro desses milhares de consumidores.

Como cidadão carioca, como o senhor se sente diante da dilapidação do tecido social no Rio?
Triste e irado. Sofro porque amo o lugar onde nasci. Minha geração já foi marcada para sempre. Fora o cerceamento da nossa liberdade, sofremos hoje com os nossos filhos na rua. Os fins de semana dos cariocas da minha geração se transformaram em sessões de monitoramente de filhos através de telefone celular, até eles chegarem em casa.

É puro preconceito dizer que a imigração, sobretudo oriunda do Nordeste e das periferias, foi uma das responsáveis pelo agravamento da crise social nas grandes cidades brasileiras?
No caso do Rio de Janeiro, sim. O problema não é a pessoa vir do Nordeste, ou de outro lugar, mas o fato de ela chegar a uma metrópole desumana, impessoal, incapaz de oferecer condições dignas de vida para o imigrante pobre. E tudo isso ocorre sob o olhar de uma classe política que, movida por fins eleitoreiros, permite a utilização ilegal de espaços públicos, que acabam se transformando em favelas.

Fonte: http://noticias.gospelmais.com.br/pastor-e-coordenador-do-movimento-rio-de-paz-ninguem-aguenta-mais-essa-violencia.html


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