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Para sociólogo, presidente Dilma tornou-se refém de chantagens da bancada evangélica

A atuação da Frente Parlamentar Evangélica no Congresso tornou-se chantagem com a presidente Dilma Rousseff, segundo Pedro Ribeiro de Oliveira, doutor em sociologia pela Université Catholique de Louvain, da Bélgica, e professor em ciências da religião da PUC-Minas.

Para o sociólogo, a presidente tornou-se refém da bancada evangélica por causa de sua necessidade de apoio político dos parlamentares para aprovar seus projetos, e por isso, não resiste ou enfrenta os parlamentares.

Oliveira destaca ainda que as igrejas evangélicas estão ocupando um espaço que originalmente deveria ser preenchido pelos partidos políticos, que abriram mão de defender princípios e desde o primeiro mandato do ex-presidente Lula passaram a se importar apenas em fazer parte do governo e obter cargos, facilitando a aparição de uma nova influência no cenário político nacional.

Na entrevista concedida ao IHU-Online, o sociólogo afirma que, na falta de produtividade e discussão dos partidos sobre as melhores opções para as políticas de Estado, a igreja acaba sendo o ponto de referência social: “Na ausência de um debate, a posição de pastores, padres e bispos emerge como a única”, pontua o professor.

Sobre a nomeação de Crivella para o Ministério da Pesca, o sociólogo entende que as reivindicações dos evangélicos ganharão mais força: “Crivella sempre defendeu no Senado os interesses corporativos de igrejas neopentecostais, como a regulamentação da profissão de teólogo. Alçado agora à posição de ministro, ele terá acesso mais direto a presidente para fazer suas reivindicações e assim atender a suas bases”.

Acompanhe abaixo a íntegra da entrevista:

A partir da conjuntura política nacional atual, como o senhor percebe a autonomia do Estado em relação à religião?

Pedro Ribeiro de Oliveira – Vamos começar pela apreciação do rumo político dos governos Lula e Dilma, porque isso ajuda a esclarecer a relevância que a religião adquiriu no cenário político brasileiro. Tal como Lula, Dilma tem como meta a plena integração do Brasil no sistema capitalista mundial, não mais pelo alinhamento aos interesses dos EUA – como foi até Fernando Henrique Cardoso – e sim pela abertura à China e aos países do “grande Sul”. Numa conjuntura econômica favorável, essa política resultou no crescimento do PIB e na distribuição da renda (não da riqueza!). Assim, o atual governo pode satisfazer praticamente todas as classes sociais: trabalhadores, aposentados e pensionistas galgam um patamar mais elevado de consumo, banqueiros têm lucros nunca vistos, empresários do agronegócio e da mineração são favorecidos, servidores públicos recuperam o poder aquisitivo. Enfim, praticamente todos têm a sensação de serem beneficiados pela atual política macroeconômica. Quem paga o custo desse crescimento é o sistema de vida do Planeta – mas ele não tem voz para protestar.

Diante desse amplo apoio na sociedade, só quebrado pelas manifestações contrárias de quem se preocupa com a vida do Planeta, o governo Dilma aprofundou o processo de despolitização iniciado por Lula. Salvo raros momentos, não se debatem mais as políticas do governo e do Estado. A política foi reduzida à disputa por cargos no governo e ao processo eleitoral. Esse é pano de fundo para minhas respostas à entrevista.

De forma geral, qual a importância da religião no cenário político nacional atual? Como a presidente Dilma está lidando com este aspecto?

Pedro Ribeiro de Oliveira – Quando os partidos políticos abdicam de sua função própria de criticar e de apresentar propostas de políticas públicas e se contentam em disputar cargos e benesses, outras entidades passam a ocupar aquela função. É o caso das igrejas que, no vazio deixado pelos partidos, ganham força política. E a presidente Dilma está mostrando ter pouca habilidade para lidar com Igrejas que fazem política, especialmente se fazem uma política mesquinha. Talvez isso se deva a seu passado militante em autênticos partidos políticos, somado à pouca participação em alguma igreja. Dificilmente caberia em sua teoria esta realidade de igrejas em disputa por benesses políticas.

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Como percebe que uma linguagem com fundo religioso sobe cada vez mais ao palco de um Estado que se quer laico? Não vê uma contradição aqui?

Pedro Ribeiro de Oliveira – Não é bem uma contradição, mas uma concessão ao ambiente sociocultural brasileiro: o governo dança conforme a música. Se a maioria da população rejeita a política e aceita a religião, por que o governo seria diferente? Ele deixa nos bastidores sua meta política de plena inserção no sistema capitalista mundial e traz para o palco midiático as propostas ao gosto das massas, sejam elas de fundo religioso ou tratem de futebol, segurança, habitação, ensino e outras.

O governo Dilma estaria sendo refém de teses conservadoras capitaneadas por setores das igrejas pentecostais, neopentecostais e católica? Religião interferindo demais na política não força um conservadorismo perigoso?

Pedro Ribeiro de Oliveira – Não é de teses que o governo tornou-se refém, mas sim de autoridades religiosas que buscam imobilizá-lo por meio de chantagens. Em vez de resistir, o governo deixou-se enredar. Ora, contra a chantagem só há uma saída: resistir ao chantagista trazendo-o para a luz do dia, isto é, obrigando-o ao debate público sobre suas propostas. Se o governo abrisse um amplo debate com a sociedade – penso no Parlamento, nos Conselhos de Cidadania, em universidades e em parcerias com ONGs – e lhes desse divulgação midiática, constataria que não há tanto consenso nas igrejas como elas deixam transparecer. Refiro-me aqui a oposição das igrejas (ou, mais precisamente, de algumas igrejas) à descriminalização do aborto e da eutanásia, à distribuição de preservativos, à educação sexual nas escolas, ao combate à homofobia, e sua insistência no ensino confessional nas escolas públicas. Na ausência de um debate, contudo, a posição da autoridade eclesiástica – pastores, padres e bispos – emerge como a única.

Como o senhor analisa a nomeação do senador Marcello Crivella (PRB-RJ) para o Ministério da Pesca?

Pedro Ribeiro de Oliveira – Crivella sempre defendeu no Senado os interesses corporativos de igrejas neopentecostais, como a regulamentação da profissão de teólogo. Alçado agora à posição de ministro, ele terá acesso mais direto à presidente para fazer suas reivindicações e assim atender a suas bases. Mas é preciso ter presente que seu ministério não é sem importância, porque a pesca é um dos principais fatores de extinção de espécies aquáticas e falta uma política pública bem equacionada para o setor. Se ele tiver um comportamento realmente republicano e olhar em primeiro lugar os interesses nacionais e do sistema de vida do Planeta, poderá trazer uma grande contribuição, mas muito me surpreenderia se isso acontecer.

Como o senhor interpreta a posição da presidente Dilma em recuar e suspender a distribuição do kit anti-homofobia nas escolas? O que esse gesto sinaliza sob a condução da questão da homossexualidade no governo?

Pedro Ribeiro de Oliveira – Há no caso uma questão eleitoral: a candidatura de Fernando Haddad em São Paulo, que não pode desperdiçar nenhum voto sob pena de perder a eleição. Nessa caça aos votos dos evangélicos a concorrência é feroz, e, sendo em geral um eleitorado pouco politizado, a argumentação política tem menos força do que uma argumentação religiosa ou moralista. Lamento ver o governo Dilma abrir mão de propostas políticas inovadoras por medo de perder uma eleição municipal.

O senhor percebe um enfraquecimento da influência dos setores progressistas da Igreja Católica no governo? Os fundamentos da Teologia da Libertação se perderam no governo Dilma?

Pedro Ribeiro de Oliveira – Não há enfraquecimento porque o único momento em que eles tiveram alguma influência na presidência da República foi nos dois primeiros anos do governo Lula. Na medida em que o PT conduzido por Lula se transformou em partido do governo e consolidou sua aliança com o PMDB e outros grupos para eleger Dilma, foi-se acabando o espaço para um projeto de libertação. É só lembrar o abandono da reforma agrária e dos Direitos dos Povos Indígenas, o desrespeito à ecologia e à biodiversidade, o assistencialismo das políticas sociais e a despolitização geral. Hoje, a ideia-força da libertação está fora do governo – e também da igreja. Seu espaço é apenas a sociedade, e, ainda assim, somente ali onde o povo se organiza com autonomia.

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