O seguinte texto foi escrito por Harold Segura, pastor batista, diretor de compromisso cristão da Visão Mundial para a América Latina e Caribe. Ele comenta o ataque que a base da Visão Mundial sofreu no Paquistão e faz uma revelação chocante: os cristãos mortos eram, na verdade, muçulmanos.
“...Se alguém mata a um ser humano...Será como se tivesse matado a toda a humanidade”. (Alcorão, 5:32)
A notícia me assustou. Os sete membros da equipe de trabalho da Visão Mundial no Paquistão, assassinados na semana passada eram muçulmanos e não cristãos. Primeiramente se disse que eram cristãos perseguidos por grupos islâmicos terroristas. Assim recebi as primeiras notícias. Era a versão que melhor encaixava com o estereótipo ocidental das perseguições religiosas: os muçulmanos matam os cristãos e estes fogem ante a fúria terrorista dos perseguidores do Islã. Uma versão que não permite aprofundar nas causas reais da violência no mundo e quem são suas vítimas.
Informaram que os mortos eram seis; agora são sete. Imtiaz John foi levado ferido ao hospital de Abbotabad depois de sofrer o ataque no dia 10 de março. Seu estado de saúde piorou e veio a falecer no domingo dia 14 em um hospital de Isalambed para onde havia sido transferido dias antes, com o fim de obter uma atenção mais especializada.
Morreram, no total, cinco homens e duas mulheres que exerciam diferentes tarefas na Visão Mundial no Paquistão. Muhammad Ayaz, engenheiro; Zaryab Yousaf que trabalhava na área de monitoramento e avaliação; Liaqat Ali, motorista; Kehkashan Zia, oficial de programas e projeto social que trabalhava em Oghi, a cidade onde ocorreram os fatos; Jamshadai e Imtiaz John, coordenador de projetos. Todos trabalhavam na defesa, proteção e promoção dos direitos de suas comunidades, apoiavam seu desenvolvimento e lutavam para reduzir a pobreza e a injustiça. Morreram promovendo os valores do Reino de Deus e, cumprindo, a sua maneira e segundo sua fé, com sua vocação de serviço as pessoas mais necessitadas.
A pergunta do porque uma organização de vocação cristã como Visão Mundial trabalha com crentes de outros credos religiosos é válida. Uma das políticas institucionais afirma que, apesar da norma da organização de “contratar pessoal que seja seguidor de Cristo, a contratação de pessoal de outras religiões é algumas vezes um requisito necessário para trabalhar de maneira eficaz em um país ou comunidade”. E acrescenta este documento que “se bem temos clareza sobre nosso compromisso cristão, reconhecemos o valor, dentro dos contextos de certos países, de empregar a seguidores de outros tipos de fé que estão dispostos a apoiar nossa missão e nossos valores. Esta parte da política interna se encerra afirmando o seguinte: “ Encorajamos entre nosso pessoal a compreensão mútua das crenças e práticas básicas das religiões do mundo dentro de seus respectivos contextos”. Esta é uma declaração oficial assinada a poucos meses, porém praticada a vários anos. Visão Mundial serve a Jesus e promove seu Reino dando testemunho da reconciliação, respeito mútuo e colaboração inter-religiosa em favor das comunidades empobrecidas. Assim o faz como testemunho do amor de Deus ao mundo e como conseqüência do modelo de serviço de Jesus, nosso mestre. Nossa missão afirma que somos “ uma confraternidade internacional de cristãos cuja missão é seguir a Jesus Cristo, trabalhando com os pobres e oprimidos para promover a transformação humana, buscar a justiça e testificar as boas novas do Reino de Deus”. Missão que também se cumpre, em alguns países, com a colaboração de fiéis de outras religiões não cristãs.
As notícias dizem que o culpado pelo ataque contra a Visão Mundial foi um grupo de militantes muçulmanos vinculados a Al Qaeda. Chegaram, “cerca de 10 homens, todos com máscaras. Derrubaram as portas, tiraram todos do escritório, os colocaram em um lugar e logo começaram a disparar... de saída lançaram uma bomba”. É a conhecida história da violência que faz de Deus (Alá em alguns casos, Yahweh ou Jehová em outros) uma desculpa para a crueldade. Matam em nome de um deus que não é nem o do Alcorão nem da Bíblia.
As vítimas, neste caso, não foram cristãos ocidentais, foram muçulmanos paquistaneses que haviam decidido trabalhar junto a cristãos de todo o mundo e lutar contra a pobreza e a injustiça presente em seu próprio povo. Não eram cristãos; apesar de alguns respeitados teólogos terem denominado aos “bons não cristãos”, com o título de “cristãos anônimos”, ( Karl Rahner) ou de “christianus designatus”, ( Karl Barth). Eram muçulmanos, fieis seguidores do islamismo (é preciso dizer isto em honra a todos eles e por respeito a fé que professavam), homens e mulheres de boa vontade, construtores da paz, testemunhas da esperança. Pessoas como as quais o Reino de Deus tem crescido e seguirá crescendo, mesmo contra as forças obscuras da maldade disfarçada da piedade.
Depois de ministrar uma cerimônia litúrgica simples em homenagem aos sete paquistaneses assassinados, fui para meu escritório e segui pensando neles e em sua contribuição para a causa de Jesus. Recordei também das palavras do bispo Oscar A. Romero (este sim um mártir cristão) que dizia: “O reino de Deus está mais a frente das fronteiras da Igreja. A Igreja aprecia todo aquele que sintoniza com sua luta para implantar o Reino de Deus”. Sim, tem razão. O Reino transcende as fronteiras da Igreja. No Paquistão, morreram sete pessoas que, sem chamar-se cristãos, também trabalhavam na promoção deste Reino. “Deus é grande. Que a paz e misericórdia de Deus esteja convosco”, como reza uma oração do Islã.
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