Boa parte vive no norte da África e Ásia, pregando o Evangelho em áreas de conflito. Tráfico de Bíblia, cultos escondidos e em voz baixa, linguagem cifrada e muito da atenção com informantes do governo. Essa tem sido a rotina de muitos dos quase 4 mil missionários brasileiros espalhados pelo mundo, principalmente daqueles radicados em países que restringem ou proíbem totalmente que seus cidadãos abracem uma fé estrangeira. As precauções têm seus motivos. Há 11 dias, a luterana gaúcha Doraci Edinger, de 53 anos, foi assassinada no interior de Moçambique - crime ainda não esclarecido. Em janeiro, um casal de missionários brasileiros foi deportado da Jordânia por causa do proselitismo religioso.
Para evangélicos e católicos, a região prioritária à ação missionária atual - e por vezes a mais perigosa - é a que se estende pelo norte da África, Oriente Médio e Ásia. Terreno onde o cristianismo é minoritário. Estima-se que 90% dos povos que não têm contato com o Evangelho estão nesses países, diz o reverendo presbiteriano Marcos Agripino, presidente da Associação das Missões Transculturais Brasileiras. Na faixa, tratada pelos evangélicos de Janela 10 por 40 (latitude 10º e longitude 40º), a pregação é muitas vezes atividade de risco.
No início dos anos 90, o pastor Flávio Rocha - ligado ao grupo de missionários evangélicos Kairós - quase morreu apedrejado em Dacar, Senegal, um dos países da janela. Ele havia acabado de fazer um culto com alto-falantes na língua wolof, numa das ruas do bairro muçulmano de Pikin, com a permissão prévia do marabu. Eu já estava indo para o carro quando vi uns 30 jovens correndo em minha direção. Começaram a me apedrejar. Rocha entrou rapidamente no carro e fugiu. Sempre tínhamos problemas desse tipo. Lá o cristianismo era muito associado ao colonialismo e à escravidão.
O pastor trabalhou em países no norte africano mais fechados que o Senegal e diz que teve telefones e correspondência grampeados. Para evitar maiores riscos, chegou a batizar recém-convertidos no chuveiro de casa, e não em lugares públicos como de praxe. Outro missionário evangélico, que não quis ter seu nome publicado, conta que, na Síria - onde diz haver certo contrabando de Bíblias - ele sempre manteve em sigilo sua atividade de missionário. Apresentava-se como estudante de árabe. Rocha, que planeja voltar à África islâmica, pensa em se apresentar como treinador de futebol. O risco de logo se revelar missionário? Ser preso, deportado ou hostilizado, dizem. Para enfrentar o desafio, missionários passam por um treinamento sobre cultura e língua locais, além de técnicas de abordagem.
Talvez por adotar uma abordagem menos incisiva ou por escolher países menos fechados, os missionários católicos brasileiros parecem sofrer menos riscos.
A maior presença atual é nos países africanos de língua portuguesa. Nos países muçulmanos nossas comunidades são de serviço e testemunho, não de anúncio do Evangelho. Onde já há conflitos étnicos e civis é preciso ter cuidado para não pôr mais lenha na fogueira. diz d. Sérgio Castriani, bispo de Tefé (AM) e presidente da Comissão Episcopal para a Ação Missionária, da Igreja Católica.
Marcos De Moura E Souza / estadao.com.br 04/03/04
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