(Por João Ozorio de Melo – CONJUR) Organizações pró-religião se animaram a pedir à Suprema Corte dos EUA, agora com uma sólida maioria conservadora, a reversão de algumas jurisprudências a favor do Estado laico (ou secular). E a decisão de que um governo possa legalmente tomar medidas que promovam ou endossem uma religião específica. A outra parte argumenta, entre outras coisas, que isso tornaria os não fiéis da religião favorecida em cidadãos de segunda classe.
A Suprema Corte vai entrar nessa discussão em fevereiro, quando começará a julgar o caso American Legion versus American Humanist Association, em que a questão é se um órgão do governo do estado de Maryland pode se encarregar da manutenção de uma cruz histórica, de 90 anos, de 12,2 metros de altura, na cidade de Bladensburg.
Se a decisão for favorável à cruz estatal, irá ruir o “muro de separação entre a igreja e o Estado”, preconizado por Thomas Jefferson, o terceiro presidente dos Estados Unidos e principal autor da Declaração da Independência. Dessa frase de Thomas Jefferson nasceu a ideia de “separação igreja-Estado” nos EUA.
Estão em jogo nesse processo duas cláusulas da Primeira Emenda da Constituição, no que ela se refere à religião: a Cláusula do Estabelecimento (Establishment Clause) e a Cláusula do Livre Exercício (Free Exercise Clause), segundo o site United States Courts.
A Cláusula do Estabelecimento proíbe o governo de estabelecer uma igreja como a entidade religiosa nacional. Historicamente, a cláusula proibiu a existência de igrejas patrocinadas pelo estado, tal como a Igreja da Inglaterra (ou Igreja Anglicana).
Modernamente, o entendimento é que o governo pode dar assistência a uma religião apenas se: 1) o propósito primário da assistência é secular; 2) a assistência não promover ou inibir qualquer religião; e 3) não houver envolvimento excessivo entre a igreja e o Estado.
A Cláusula do Livre Exercício, por sua vez, protege o direito do cidadão de praticar sua religião como lhe convier, desde que a prática não entre em conflito com a “moral pública” ou de um interesse irrefutável do governo. Por exemplo, a Suprema Corte decidiu em 1944 que o governo pode forçar a vacinação de crianças, se os pais não a permitem por motivos religiosos — o interesse do Estado de proteger a saúde e a segurança pública é maior.
A American Legion, apoiada pelas também conservadoras organizações First Liberty Institute, Liberty Counsel, The Becket Fund for Religious Liberty e American Association of Christian Schools, querem que a Suprema Corte esclareça que “coação” (para se seguir uma religião), “não endosso” (a uma religião) é o padrão apropriado para se julgar casos relacionados à Cláusula do Estabelecimento. E que deixe claro que é necessário que haja uma “atividade coercitiva do Estado” para se determinar violação da Primeira Emenda.
As organizações conservadoras argumentam que é preciso haver “coerção por lei”, para “coagir a crença, a observância ou o suporte financeiro a uma religião” pelo governo, para justificar a violação. E alegam que é perfeitamente legal para o governo promover ou endossar uma religião, mesmo que isso resulte em “sentimentos de ofensa e de exclusão”, uma vez que o governo pode promover livremente outras mensagens não religiosas.
A defesa do Estado laico é forte nos EUA. Mas, estranhamente, não houve protestos notáveis quando o presidente Trump decidiu mudar a embaixada dos EUA de Tel Aviv, capital de Israel, para Jerusalém, a cidade que judeus e palestinos querem como capital. Embora isso pareça ser apenas uma medida de política exterior, Trump tomou essa decisão para agradar sua base evangélica.
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