Quando a empolgação vira decepção
O chamado para servir a Deus em algum trabalho na igreja é um sonho para muitos que se convertem ao Evangelho. No entanto, com o passar do tempo, é possível contemplar uma multidão de obreiros frustrados com tudo o que envolve um cargo ministerial. A visão e os sonhos românticos de uma vida de dedicação dão, muitas vezes, lugar ao cansaço e à amargura. Manter um ministério saudável por anos a fio é uma árdua tarefa, conquistada por poucos. Mas qual será o segredo para quem alcança essa vitória? Como equilibrar as peculiaridades do trabalho cristão e as decepções, comuns e incomuns, com outros cristãos e com as igrejas?
Para se ter uma idéia, vamos recorrer ao recente relatório divulgado pelo Conselho de Igrejas Presbiterianas de Língua Portuguesa nos Estados Unidos. Os dados chocam: 1.500 pastores abandonam o ministério mensalmente naquele país. Vários são os desafios a serem encarados. Destacam-se as dificuldades nos relacionamentos, dentro do ministério, a imaturidade dos que assumem responsabilidades ainda muito jovens e, infelizmente, decepções com o caráter de alguns cristãos.
PRODUÇÃO DE LÍDERES EM MASSA
Para a psicóloga Janaína Moura, uma das causas para tanta frustração é o fato de que, atualmente, a igreja tem desencadeado uma produção em massa de obreiros e líderes. “Igrejas neopentecostais, principalmente, têm preparado líderes em tempo acelerado. Alguns pecados advém dessa visão, porque essa é uma visão de mercado. Estão sendo produzidos profissionais de púlpito”, afirma, enfatizando que o pastorado precisa ser visto como um chamado de Deus.
Lidar de forma errada com o reconhecimento no trabalho ministerial também é apontado como motivo para decepções, de acordo com o pastor Ivan Mendes. Para ele, pelo fato de a sociedade ser dirigida pela prosperidade a todo custo, há uma cobrança para que todos sejam bem-sucedidos em tudo. “Deus não nos chamou para fazer sucesso, mas para sermos fiéis”, defende. Ele faz questão de lembrar que sucesso na vida espiritual, muitas vezes, inclui ser perseguido como foram os personagens bíblicos João Batista (decapitado), e Estêvão (apedrejado). Mendes também sinaliza para o perigo de o líder fazer do ministério a sua fonte de realização. “O ministério não sacia o coração e a alma porque pode acabar de uma hora para outra. A nossa fonte deve estar em Jesus”, apregoa.
JOVENS E DESPREPARADOS
Nos episódios bíblicos, embora Davi, Timóteo e José tenham sido usados como exemplos de jovens chamados ao ministério, ordenar ou empossar homens e mulheres jovens em posições de liderança requer discipulado e orientação. Não pela falta de devoção ou seriedade, mas pela imaturidade e inconstância, características dessa faixa de idade. Na opinião deJanaína Moura, ninguém com cerca de 20 anos deveria assumir a responsabilidade de um trabalho ministerial. “Isso é temível por conta das mudanças que ocorrem nessa faixa etária. Nesse período da vida, a pessoa ainda não estabeleceu uma identidade necessária para o pastorado”, adverte.
O isolamento vivido por muitos líderes é mais um fator que gera decepção. Janaína enfatiza que a maioria deles tem dificuldades para confiar nos outros por causa das práticas de competição do mercado secular, infelizmente disseminadas dentro da igreja.
A psicóloga diz que a visão competitiva de mercado entrou na igreja produzindo profissionais de púlpito e gerando frustrações quando os resultados não aparecem
REANIMADOS NO SENHOR
Para todos esses desafios e ajustes, o pastor Ivan Mendes aconselha a voltar firmemente o foco para Jesus. “Somente permanecemos motivados à medida que olhamos para quem estamos realmente fazendo tudo o que fazemos. Queremos plantar, regar e colher. Mas nem sempre participaremos de todo o ciclo. Precisamos entender melhor que somos cooperadores, comissionados, estamos juntos, e que a missão é de Cristo, realizada pela ação do Espírito Santo”, avalia. Na sua opinião, ao crer no poder da semente e não do semeador, o líder consegue fazer seu papel de maneira mais leve e alegre.
A orientação de Janaína Moura é sempre lembrar de que há também outros fiéis seguindo o chamado de Deus para ministérios variados. “Mas, se de fato, as conseqüências das decepções foram tão intensas, que alterem o bem-estar, o humor e o comportamento do líder, ele poderá ser ajudado por terapeutas”, ressalta.
Para aqueles que têm passado dificuldades na área ministerial, fica uma mensagem encorajadora baseada na vida do salmista: “Davi muito se angustiou, pois o povo falava em apedrejá-lo, porque todos estavam em amargura, cada um por causa dos seus filhos e de suas filhas; porém Davi se reanimou no Senhor, seu Deus” (1 Samuel 30.6).
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