Qualquer pessoa que ande pelas ruas das grandes cidades brasileiras há de ficar impressionado com a quantidade de igrejas evangélicas. São templos, pontos de pregação, salas e até portinhas, onde o nome de Jesus é exaltado e o povo de Deus reúne-se para exercer a sua fé. Símbolo da expansão do segmento evangélico na sociedade brasileira, a proliferação de igrejas, se por um lado possibilita a disseminação da Palavra de Deus, por outro, gera situações curiosas. Há ruas com vários templos e até mesmo congregações que funcionam coladas parede a parede. Agora, engraçado mesmo – com todo respeito, claro! – é conferir o nome de algumas igrejas. Existe, por exemplo, uma certa Assembléia de Deus Com Doutrinas e Sem Costumes, no subúrbio do Rio de Janeiro. No interior de Minas, funciona a Igreja Evangélica A Última Trombeta Soará. Isso sem falar na Igreja Cuspe de Cristo, em São Paulo.
Pode-se discutir o gosto de quem inventa tais nomes, mas o fato é que os aproximadamente 26 milhões de evangélicos brasileiros têm à disposição um variadíssimo cardápio de opções para filiação religiosa. Curiosos, bizarros e imaginativos, os nomes de igrejas, digamos, originais, compõem uma extensa lista: há, por exemplo, a Igreja Pentecostal Alarido de Deus, de Anápolis (GO), cujos cultos não devem ser nada silenciosos; a Igreja Evangélica Deus Pentecostal da Profecia, de São Mateus (ES), que não deixa dúvidas sobre o caráter avivado do povo que se reúne ali; ou ainda a Igreja Evangélica Vida Profunda, da Itaperuna (RJ), onde o crente, já na entrada, recebe um estímulo para deixar de lado a superficialidade na sua relação com Deus. Já a Igreja da Revelação Rápida parece ter sido feita de encomenda para os fiéis mais apressadinhos. Há ainda muitas outras (ver quadro), quase sempre pequenas denominações pentecostais dirigidas por líderes leigos, onde o que vale é a espontaneidade litúrgica e uma boa dose de improvisação.
Mais do que simples tendência, a proliferação das igrejas evangélicas, há alguns anos, já chama a atenção como fenômeno sociológico. Nos anos 90, o Instituto Superior de Estudos da Religião (Iser) debruçou-se sobre os números e chegou a uma conclusão de espantar: só no Grande Rio, cinco novas igrejas surgiam… por semana! E as coisas só aumentaram de lá para cá. Números confiáveis não existem, mas levantamentos realizados por entidades missionárias apontam para a existência de cerca de 150 mil templos e casas de culto evangélicas no país. “Hoje, há uma média de 1,5 mil pessoas por igreja no Brasil”, diz o pesquisador Louranço Kraft, do Serviço para a Evangelização da América Latina (Sepal). Claro, elas concentram-se nos centros urbanos. Em regiões como a Amazônia ou o interior do Nordeste, a presença evangélica permanece extremamente rarefeita. Razões para tanto crescimento não faltam – além do evangelismo ostensivo, responsável por novas conversões, as igrejas evangélicas costumam receber muitos ex-fiéis de outras confissões, como o catolicismo e o espiritismo.
Há ainda outro aspecto – a ruptura com antigos dogmas, como restrições quanto a usos e costumes e normas rígidas de vestuário. “Os evangélicos aboliram a vida ascética que antes preconizavam”, avalia o doutor em sociologia Ricardo Mariano, autor do livro Neopentecostais – Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil (Edições Loyola). Segundo ele, os crentes, cada vez mais adaptados à sociedade, conseguem fazer seu discurso penetrar com mais facilidade, atraindo novos adeptos até mesmo em setores das classes média e alta, tradicionalmente mais avessos à mensagem do Evangelho.
Bem menos acadêmico, mas igualmente sintomático, é o estudo desenvolvido por Orlando Corrêa Neves Castor, 17 anos, estudante de tradições e cultos religiosos. Ele, que mora em Teresópolis (RJ), criou um site sobregrejas com nomes curiosos (www.igrejologia.hpg.ig.com.br). Evangélico, o rapaz conta que a idéia de elaborar a página virtual veio depois de ver tantos nomes diferentes de igrejas. “Comecei o trabalho procurando em listas telefônicas de vários estados”, conta. “Depois, muitas pessoas se interessaram e começaram a mandar colaborações para a lista. Alguns nomes adotados são bem exóticos.”
“Sede mundial” – Segundo Orlando, a maioria das igrejas com este perfil tem localização restrita, ao contrário das denominações mais antigas e tradicionais, como Metodista, Quadrangular ou Luterana, cuja abrangência é nacional. “Noventa por cento delas funcionam em pequenos imóveis alugados, em bairros pobres”, comenta o estudante. No meio do bolo, há uma proliferação desenfreada de congregações evangélicas, muitas delas funcionando sem alvará e à margem de outras exigências legais. “Além disso, a falta de cultura e informação de seus criadores é patente”, aponta. Como exemplo, ele cita uma certa Igreja Evangélica Muçulmana Javé É Pai, e outra, tão bizarra quanto: Igreja Cristã Evangélica Espírita Nacional. “Nos dois nomes há união de religiões que não se relacionam entre si. Como um evangélico pode ser muçulmano ou espírita ao mesmo tempo?”, indaga.
Orlando não esconde que o objetivo do bem humorado levantamento que fez é, também, “criticar abusos praticados em nome da fé das pessoas”. Há pouco tempo, o jornal carioca Balcão, especializado em classificados de todo tipo – ali vende-se varas de pesca, violoncelos, apartamentos, coleção de gibis do Homem-Aranha e tudo o que se possa imaginar –, publicou um anúncio esquisitíssimo. Anunciava-se a oferta de uma igreja evangélica, equipada com som e móveis e que tinha “cerca de 200 membros”, que talvez jamais imaginassem virar objeto de uma transação do gênero. O problema é que fica muito difícil separar o trigo, ou seja, aqueles crentes sérios cujo objetivo ao abrir uma igreja é simplesmente atender um chamado divino e fazer a obra do Senhor, do joio – no caso, os picaretas que vêem a criação de uma congregação apenas como opção de negócio.
A multiplicação de igrejas só acontece porque, no Brasil, é muito fácil abri-las. É o que diz Rubens Moraes, 71, pastor da Assembléia de Deus de Madureira, no Rio. Ele também é contador e trabalha há quase 40 anos na área de legalização de entidades evangélicas. “Para se abrir uma igreja, não é necessário muita coisa”, explica. “Junta-se uma diretoria composta por oito pessoas; depois convoca-se uma reunião para emitir a ata de fundação. A partir daí, basta elaborar o estatuto e registrá-lo no cartório”, ensina. Com este registro, é possível solicitar o cartão do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, o CNPJ, o que pode ser feito até pela internet.
Segundo Rubens, todo o processo é baratíssimo. “Se o próprio interessado quiser fazer tudo, vai desembolsar cerca de R$ 250. Caso prefira contratar um contador, o gasto fica entre 600 e mil reais.” Isso, claro, se o empreendedor não preferir fazer tudo clandestinamente e atuar ao arrepio da lei. Especialista no assunto – ele é autor do livro Legislação para igrejas e entidades sem fins lucrativos, editado pela CPAD –, Rubens Moraes admite que não há como exercer controle sobre quem resolve criar uma igreja. “A lei permite a abertura por qualquer pessoa, mas não pode avaliar os interesses e a seriedade de cada um. Isso abre oportunidades para os aventureiros.” Ele conta que foi procurado recentemente por uma empresária que decidiu colocar uma igreja em seu nome. “Ela construiu, com o seu dinheiro, a comunidade. Apesar de não ser pastora nem nada, ela tem direito de tornar-se presidente da obra.”
Outra estratégia muito utilizada, até mesmo em busca de legitimidade, é a
inclusão do nome de uma denominação já conhecida. É grande a quantidade de comunidades independentes que adotam, por exemplo, nomes como “Assembléia de Deus de tal-tal-tal, ou “Igreja Batista disso-ou-daquilo”, mesmo sem ter quaisquer vínculos com as convenções batistas ou assembleianas estabelecidas. “Este tipo de procedimento nos incomoda bastante, inclusive porque não temos qualquer controle sobre a doutrina ou liturgia praticada nestas igrejas”, comenta um pastor ligado à Convenção Batista Fluminense que, para evitar constrangimentos de parte a parte, pediu para não ser identificado.
Ele diz que a entidade já teve problemas com isso – segundo o pastor, houve casos, por exemplo, de fiéis dessas igrejas de linha independente buscarem algum tipo de satisfação por desvios de conduta de seus líderes. “A marca ‘Igreja Batista’ é respeitada até mesmo fora dos meios evangélicos. Então, há pessoas que se aproveitam disso e usam o nome de nossa denominação para passar credibilidade.” Interessante, também, é a megalomania encerrada em nomes grandiloqüentes, tais como “sede mundial” ou “ministério internacional”. Às vezes, igrejinhas que possuem um único templo ostentam, orgulhosas, placas com tais dizeres. Isso quando o nome do mandachuva não aparece em letras garrafais, às vezes, maiores até do que os nomes “Deus” ou “Jesus”.
Bacalhau com feijoada – O professor Paulo Donizéti Siepierski, 43 anos, crente batista de Recife (PE) e membro da Associação Brasileira de História das Religiões, aponta noutra direção. Para ele, a criatividade dos nomes é fundamental para o sucesso do empreendimento. “A concorrência no ‘mercado religioso’ tornou-se bastante acirrada nos últimos anos. Então, a necessidade de se diferenciar neste ‘mercado’ passou a ser imperativa”, explica. Paralelamente, salienta o estudioso, ocorreu uma crise de fidelidade no denominacionalismo. “Uma vez que as pessoas não estão mais buscando respostas convencionais, como as que as igrejas históricas oferecem em suas confissões de fé, mas ao contrário, estão atrás de uam espécie de bricolagem, passou a ser natural que os próprios nomes das novas igrejas simbolizassem tal possibilidade.”
Irônico, o professor usa como comparação os restaurantes de comida a quilo. “No restaurante tradicional, você recebe um cardápio com pratos já montados; no de refeições por quilo, o cliente é quem escolhe a combinação de alimentos, por mais contraditório que possam parecer. Dá até para misturar bacalhau com feijoada.” Sipierski vai além: para ele, a sobrevivência da nova igreja dependerá em grande parte da capacidade em expressar, através de seu nome, aquilo que ela pensa ser sua vantagem comparativa em relação à concorrência. “Precisamos entender que as pessoas não estão em busca de uma doutrina supostamente correta. Hoje, muitos buscam solução para seus problemas e um lugar onde se sintam bem.”
“Tanta criatividade não é bom sinal”, faz coro o historiador Jaime Francisco de Moura, 42, de Brazilândia (DF). Católico, ele é autor do livro As diferenças entre a Igreja Católica e igrejas evangélicas e bate pesado: “Muitas dessas igrejas com nomes fantásticos e chamativos prejudicam o cristianismo”, radicaliza. Para Moura – que, como muitos católicos e o próprio papa, insistem em chamar correntes pentecostais de “seitas” –, o crescimento destas novas denoninações tende a aumentar. “A Palavra de Deus é sagrada e não pode estar na boca de qualquer indivíduo. É preciso haver autoridades competentes para proclamar o Evangelho. Muitos acham que são iluminados pelo Espírito Santo, mas no fundo são movidos pelo erro e pelo engano”, reclama. Na opinião do historiador, qualquer pessoa que pretenda assumir um cargo de dirigente espiritual deveria ter, no mínimo, curso de teologia ou filosofia. Por mais que seja desejável estabelecer critérios deste tipo, contudo, não se deve esquecer que a história do cristianismo está cheia de líderes leigos que fizeram um tremendo trabalho espiritual, a começar pelos próprios discípulos de Jesus – os quais, segundo seus contemporâneos, eram homens “iletrados e incultos”, mas foi através deles que a a fé cristã chegou até nós. Isso sem falar na explosão evangélica verificada no Brasil na segunda metade do século 20, protagonizada, quase sempre, por pastores sem qualquer formação teológica. E não é apenas no protestantismo que o laicato tem destaque. Nas comunidades eclesiais de base, berço da renovação do catolicismo durante os anos 60 e 70, destacavam-se os líderes leigos.
Revelação de Deus – Na outra ponta, pastores que dirigem comunidades que poderiam entrar em qualquer levantamento sobre denominações curiosas, demonstram não apenas convicção espiritual, como também, muita consciência de seu papel. Caso do pastor José Basílio dos Reis, 55 anos, responsável pela Igreja Assembléia dos Primogênitos, de São Paulo. Ele explica que a denominação surgiu devido a uma revelação divina, e admite que ter um nome diferente atrai algumas pessoas para a congregação. “Muitos chegam movidos pela curiosidade, e acabam tendo um encontro com Cristo”, salienta. Contudo, o pastor exorta que, antes de se filiar a qualquer igreja, é fundamental que o aspirante a membro observe suas normas, conheça os líderes e, acima de tudo, peça a orientação do Senhor. “Hoje, há muita gente criando igrejas apenas para arrecadar dinheiro. Isso é um escândalo”, indigna-se.
Para o pastor Mizael Lima de Souza, presidente da Igreja Universal Assembléia dos Santos, com sede em São Paulo, mais importante do que o nome é a valorização do Evangelho e uma conduta justa e transparente que possa dar exemplo à sociedade. “Quando vamos evangelizar, muita gente pergunta se nossa igreja é uma mistura da Universal [do Reino de Deus] com a Assembléia [de Deus], e eu explico que não”, diz ele. O pastor conta que o nome surgiu de uma revelação divina a uma senhora crente há 45 anos – bem antes, portanto, do surgimento da Igreja Universal, a do bispo Edir Macedo, fundada em 1977. “Essa irmã era professora da Escola Bíblica e certo dia foi orar, pois via que sua igreja não obedecia certos preceitos bíblicos. Então, o Senhor disse a ela que o seguisse, pois iria usá-la para levantar uma obra à semelhança da Igreja Primitiva”. Mizael explica que o nome de sua denoninação é baseado nas passagens bíblicas de Hebreus 12:22 e Salmo 89:5. “Mas o que caracteriza mesmo a Igreja do Senhor é se ela tem ou não compromisso com Deus”, conclui. (Colaboraram Marcelo Santos e Marcos Stefano)
Curiosos e criativos
Algumas igrejas e comunidades evangélicas têm nomes que misturam citações bíblicas, fervor espiritual e uma boa dose de criatividade. Confira:
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