A seara exige obreiros empreendedores, criativos, capazes de trabalhar em grupo e de liderar com visão global
Desmerece a obra de Deus aquele que se nega a entregar o dízimo. Deus não é mendigo e não precisa de resto
A igreja é uma empresa, e uma empresa difícil de ser conduzida porque o seu estoque são almas
O ser humano é interesseiro e quer que a igreja manifeste a presença de um Deus vivo com retorno imediato
O povo não pode ouvir os obreiros falar sobre as doenças deles. Como crerão se o próprio mensageiro não recebe a benção na prática?
A cartilha dos grandes empresários diz que, para se dar bem nos negócios, é fundamental estar atento às mudanças na sociedade, empregar com eficiência a propaganda, estudar o público-alvo, cuidar bem dos funcionários e vigiar a concorrência. Pois essas regras também valem para os que desejam abrir a própria igreja evangélica, segundo um curso oferecido pelo Seminário Brasileiro de Teologia (SBTe).
Uma frase presente na apostila do “Curso de Formação de Pastor” dá o tom do seu conteúdo: “A igreja é uma empresa, e uma empresa difícil de ser conduzida, porque o seu estoque são almas”.
Partindo da premissa de que os meios de comunicação transformaram a sociedade, o curso convoca os pastores a uma adaptação aos novos tempos: “As igrejas que não seguirem a cultura dos povos tendem a ficar vazias”.
A advogada e aluna do curso Laudicéia Koschitz, 39, concorda. Não acha errado, por exemplo, que as evangélicas se embelezem. “A mulher é uma obra maravilhosa de Deus e precisa se arrumar.”
Hoje, diz o curso, o pastor deve ser “empreendedor, criativo, capaz de trabalhar em grupo e de liderar com visão global”.
Marlene Bergamo/Folha ImagemPastor Marcelo de Souza ora por religiosos que pedem milagres ao Espírito Santo
As igrejas pentecostais já parecem ter entendido. Em 2002, segundo pesquisa do Eseb (Estudo Eleitoral Brasileiro), seus seguidores já eram 11,1% do total da população, número quatro vezes maior que em 1980.
Para aproveitar esse crescimento vertiginoso, o curso lista atitudes que devem ser tomadas pelo pastor empreendedor (leia quadro ao lado).
Antes de abrir uma igreja, por exemplo, ele deve estudar a região e o público-alvo. Se o local for pobre, ajudam a atrair gente a distribuição de lanches e o sorteio de cestas básicas.
Na Assembléia de Deus do Jardim do Apurá (zona sul de São Paulo), o fiel que fica até o fim do culto recebe um cachorro-quente.
Renata Freitas/Folha ImagemPastor parte o pão para distribuir a fiéis
É importante ainda que o pastor seja “um ator, um dramaturgo” para “acomodar o povo, chamar a sua atenção e fechar a sua boca”.
Para ser eficiente, ele é aconselhado a se alimentar bem e a se exercitar com musculação e corrida. Quando tiver de ministrar por tempo muito longo, deve evitar o sexo nos quatro dias anteriores.
Marcelo de Souza, 36, é um aluno que concorda com a importância do preparo físico. Se não jogasse futebol sempre que possível, talvez não conseguisse andar sem parar enquanto prega e nem ficar na ponta dos pés nos momentos mais dramáticos.
Outro fator determinante para o sucesso é pregar conforme a vontade do público. Em geral, diz o curso, pessoas mais pobres tendem a gostar de “ver coisas sobrenaturais” (como sessões de exorcismo), de dançar, cantar e ouvir o pastor falar em línguas estranhas (glossolalia).
Renata Freitas/Folha ImagemHomem lê a Bíblia
Também se deve empregar o maior número possível de fiéis na igreja. “Os que participam e se sentem valorizados não migram para outra igreja, pagam o dízimo todo mês e trazem a família e amigos para vê-los.”
“O curso se vale dos melhores textos da área de administração e ensina recursos que uma empresa moderna utiliza para se manter competitiva num mercado globalizado”, diz o coordenador do MBA de Marketing da Fia (Fundação Instituto de Administração), Dilson Gabriel dos Santos.
Mulher chora em culto na Igreja Evangélica Assembléia de Deus (ministério Apurá)
Para o professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (Universidade de São Paulo) Antônio Sauaia, o curso ensina uma técnica utilizada por empresas de produtos de consumo, que atraem o consumidor por meio de vendedores que vivem no mesmo bairro dele.
Administração eclesiástica
A apostila é dividida em cinco módulos. Os quatro primeiros, com 75 páginas, tratam da legislação sobre a prática religiosa (como obter subvenções do poder público, por exemplo), das diferenças entre as principais correntes evangélicas, da importância do emprego de técnicas de oratória na pregação e de como convencer os fiéis a pagar o dízimo.
O quinto e maior, com 63% do total de páginas, é intitulado “Administração Eclesiástica”. Nele, são indicados “projetos para multiplicar a quantidade de membros, templos e de caixa da igreja a cada 90 dias”.
O curso pode ser encomendado pela internet (www.cursodepastor.com.br) ou por telefone, custa R$ 450 e deve ser feito por correspondência em prazo estipulado de 90 dias.
Ao seu final, o aspirante a pastor deve enviar por correio à instituição, que tem sede em Ituiutaba (MG), as respostas a um questionário que fica nas últimas páginas da apostila. Se aprovado, ganha um diploma e uma carteirinha que, segundo o SBTe, “pode ser aproveitada em qualquer das diferentes denominações de igrejas evangélicas”.
O guru dos pastores
O pastor Omar Silva da Costa, 49, é o criador deste e de outros 17 cursos por correspondência também oferecidos pela internet. Os mais caros, chamados de “Bacharelado em Teologia Eclesiástica”, “Mestrado em Bíblia” e “Doutorado em Divindade”, custam, respectivamente, R$ 750, R$ 1.050 e R$ 1.350. Todos também têm duração de 90 dias e dão direito a carteirinha e diploma “para enriquecer o currículo”.
“Decidi oferecer os cursos assim, por correspondência, porque muita gente não tem condições de pagar escolas caras e passar quatro ou cinco anos estudando até se tornar pastor. Além disso, não há escolas de teologia em todas as cidades brasileiras.” Segundo Costa, o curso de formação de pastor, oferecido desde fevereiro deste ano, já foi vendido a mais de 500 pessoas –se o número estiver correto, as vendas já renderam R$ 225 mil, pelo menos. A procura tem sido tão boa que, no curso, ele prevê: “Em pouco tempo vai haver nas faculdades cursos de administração de igreja, como já há de administração hospitalar”.
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