Famílias de cinco cristãos presos perderam suas casas no nordeste no Cairo depois das autoridades os terem persuadido a entregar as escrituras de suas propriedades em troca do que seria a suposta libertação dos parentes acusados de assassinato.
Abdel Sayd, de 86 anos, e seus quatro parentes estão sob custódia policial desde 11 de dezembro. Os oficiais detiveram os cinco depois da morte de um muçulmano no dia anterior à revolta incitada no vilarejo de Kafr Salama Ibrahim.
Peritos médicos concluíram que os ferimentos do falecido Mohammed Talib em decorrência de uma luta com dois cristãos não poderiam ter causado sua morte. Mas os advogados e um membro da família disseram à agência de notícias Compass que dois cristãos e três parentes são acusados de "premeditar o assassinato" de Mohammed.
Mohammed morreu em 10 de dezembro de 2005. Ele interveio em uma briga de seu filho com os irmãos cristãos Yusef e Wael Awad, contou um parente. O primo dos irmãos, Milad Samy Zaki, disse ao Compass que, depois de bater nos cristãos, Mohammed sofreu um derrame e morreu alguns minutos depois.
Um relato médico legal publicado em junho, mais de seis meses depois, descobriu que Mohammed tinha 75% de obstrução na sua artéria coronária, e que duas outras artérias continham 60 e 90% de obstrução.
Examinadores médicos concluíram que "ferimentos superficiais" no nariz, no pescoço e na perna esquerda de Mohammed na briga "não foram suficientes para causar uma morte". Entretanto, quando a população muçulmana de Kafr Salama Ibrahim ouviu uma chamada através dos alto-falantes da mesquita para atacar os lares cristãos, muitos retaliaram sob a pressuposição que os irmãos Awad haviam assassinado Mohammed.
"Das 14h30 até as 20h30, muçulmanos atacaram lares cristãos enquanto a polícia não fazia nada", disse Milad, o primo. "Os muçulmanos foram para a casa de Abdel, onde as famílias de Yusef e Wael Awad também moravam. Eles jogaram todos os móveis pela janela e os queimaram, e surraram a todos".
Segundo a informação policial, o grupo destruiu sete casas cristão e uma fazenda de galinhas durante o motim.
Quase nove meses depois da ocorrência, o escritório do advogado geral ordenou apenas neste mês que o caso dos cristãos tivesse uma audiência na Corte Criminal de Mansura, disse o advogado Mamduh Zaky. Nenhuma data ainda foi marcada para a primeira audiência na corte.
Mamduh disse ao Compass que a corte poderia ainda modificar ou retirar a acusação.
Acordo falso
À 1 hora da madrugada do dia 11 de dezembro, a polícia deteve 11 cristãos, cuja maioria teve suas casas atacadas. Entres os intimados para se apresentar na delegacia estavam Abdel, os irmãos Awad, Meawad Abdel Maseh e Zaki Samy Zaki. Também haviam quatro mulheres, um parentes deles e um aldeão cristão sem nenhum parentesco.
Um advogado que foi à delegacia para representar os 11 cristãos disse que vários deles ainda estavam feridos em decorrência do ataque de dia anterior.
"Tive que lutar com a polícia para levar um médico para tratar os cristãos na delegacia", contou a advogada Fayiza Salama à Compass.
O vilarejo permaneceu tenso nos quatro dias seguintes, enquanto se sucedia a negociação entre a polícia e os advogados da igreja para a libertação dos cristãos, disse o primo Milad.
"Os coptas não saíram de suas casas a fim de protegê-las", lembrou Milad. As 60 famílias cristãs da cidade temiam que a maioria muçulmana, aproximadamente 700 famílias, realizasse mais ataques.
Fayiza disse que foi tão pressionada que se recusou a representar os cristãos em negociações com a polícia, deixando o trabalho para o advogado cristão Mamduh.
"O padre Domadios Ghattastambém fechou a igreja por 10 dias depois do ataque", contou Milad ao Compass. "Ele estava com medo, porque as autoridades ameaçaram fechar a igreja. Elas disseram que só deixariam a igreja aberta se os cristãos lhes entregassem cinco casas."
Conforme Fayiza e o Padre Domadios, a polícia e o ex-governador de Sharkeya propuseram que os cristãos pagassem à família de Mohammed um milhão de libras egípcias (173.900 dólares) como indenização. Metade do valor, disse a polícia, eles já tinham pagado com a destruição de suas casas.
Em 14 de dezembro, os cristãos transferiram escrituras de cinco de suas propriedades com o entendimento que isto pagaria seu "débito" de 500 mil libras egípcias e asseguraria sua libertação.
Seis dos cristãos foram imediatamente libertos, mas Abdel, os irmãos Awad, Maseh e Zaki ainda permanecem em custódia policial.
Milad disse ao Compass que as autoridades lhes disseram que o caso civil havia sido resolvido, mas o caso criminal ainda não. "A ofensa do que aconteceu aos cristãos nesta cidade foi tão ruim que as pessoas quiseram até morrer."
Aumento de Violência
"Se pudéssemos retornar, eu não acho que não faríamos nada diferente", contou ao Compass o Daniel Habib, bispo ortodoxo copta da cidade de Zagazig. Ele estava indiretamente envolvido nas negociações.
"A igreja foi fechada, 11 pessoas ficaram presas e um toque de recolher foi imposto em Kafr Salama Ibrahim. A polícia não deteve nenhum muçulmano que havia queimado as casas e atacado os cristãos".
O bispo disse que os cristãos julgaram que, assinando os contratos, eles esperavam salvar vidas. "Quando você é confrontado com um problema como esse", disse ele "você não sabe qual seria a maneira mais lógica de se pensar".
Conforme Mamduh, as famílias dos cristãos presos se mudaram para o Cairo e estão vivendo com a ajuda da Igreja Ortodoxa Copta.
Advogados e aldeãos de Kafr Salama Ibrahim deram ao Compass descrições conflitantes sobre se as escrituras das cinco casas dos cristãos estão em posse da polícia ou da corte. Mas todas as fontes confirmaram que a família de Mohammed não recebeu nenhuma das propriedades.
O Egito tem sofrido um aumento de violência entre muçulmanos e cristãos nos últimos anos. Líderes cristãos se preocupam quanto ao consistente fracasso do governo em proteger os direitos da principal religião minoritária. Devido à ausência de um censo oficial, a estimativa de cristãos gira em torno de oito milhões a 15 milhões de pessoas.
No mês passado, um copta, membro do parlamento egípcio, se demitiu em protesto. Ele afirmou que uma comissão da qual fazia parte, não cumpriu uma ordem de investigar a onda de violência ocorrida em abril contra os cristãos em Alexandria. A comissão não visitou nem fez um relatório sobre o tumulto que levou à morte um membro da igreja, feriu mais de uma dúzia de cristãos e destruiu três igrejas e 40 lojas cristãs.
Sete cristãos alexandrinos permanecem em detenção arbitrária, e o governo tem feito pouco para compensar os donos da loja e as igrejas pelos danos.
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