Uma igreja sem templos e com uma liturgia nada tradicional avança em um território tomado por estabelecimentos que oferecem os mais variados tipos de serviços: desde bares e baladas até prostíbulos.
A Rua Augusta, em São Paulo, é reduto de manifestações culturais alternativas e locais que são freqüentados por pessoas que buscam prazer e diversão. Nesse ambiente incomum para uma igreja, porém terreno fértil para a pregação do evangelho, que a Igreja Capital Augusta surgiu. “A Rua Augusta já fazia parte das nossas vidas antes, a gente saía por aqui. Nada mais lógico do que fazer alguma coisa por aqui também. É uma rua como qualquer outra, só que é mais divertida. Então pensamos: por que não abrir esse esquema para mais pessoas? Fazer no vão do MASP é uma maneira prática de dizer que a igreja não é o lugar, não é o prédio, nem a rua, mas sim onde as pessoas estão”, explica Guilherme Menga, um dos fundadores da Capital, que às vezes utiliza o vão livre do Museu de Arte de São Paulo (MASP) para fazer seus cultos.
Em outras oportunidades, a Igreja paga uma diária para uma boate, para poder usar o espaço e realizar a celebração. No dia que a reportagem da revista Void esteve no local, o pastor Junior Souza, professor de Teologia na Faculdade Metodista Livre de São Paulo, explicava aos presentes que a próxima reunião não seria na boate: “A grana do aluguel vai para a nossa amiga Ane e sua família. Ela está com câncer e iremos ajudá-la. Somos uma comunidade para isso também”, afirmou Souza. Os valores arrecadados pela igreja também são usados para auxiliar serviços sociais e missões ligadas ao cristianismo.
O público que frequenta a igreja é formado por jovens, em sua maioria, profissionais ligados à comunicação, que se vestem informalmente, e usam piercings, brincos e tatuagens. “Senhor, quero conhecer a tua glória e o teu poder”, canta o vocalista Sidney Silva, 31 anos, acompanhado por uma banda que comanda o momento de louvor, feito com canções próprias e com músicas do Ministério Vineyard.
Sidney, aliás, é um dos que possuem uma história mais antiga com igrejas: “Estou aqui desde o começo. A principal diferença para as outras é a liberdade de ser quem eu sou. Não que as outras pelas quais eu passei tenham sido ruins, pelo contrário, me ensinaram muita coisa. Porém passaram muito mais o lance de ter que colocar uma máscara, de ter que ser meio fantoche e viver com um sorrisinho na cara, mais regrado, do tipo ‘lá fora eu posso ser quem eu sou, mas aqui dentro tenho que ser como eles querem’. E isso pesava um pouco, pois não fazia nenhum sentido. Ser livre é ser como eu sou, e Deus me aceita como eu sou, só que muitas igrejas pregam o contrário. E o legal da Capital é que aqui a gente consegue ser livre. Todo mundo é igual, seja pastor, músico ou membro. Isso é o bacana”
O slogan da igreja, “Proibido Pessoas Perfeitas”, retrata o espírito de sinceridade que os líderes da igreja pretendem transmitir a quem chega. “Comece a conversar com quem está ao seu lado, pergunte por que ele ou ela está aqui”, incentiva o pastor.
O trabalho da Igreja Capital Augusta é complementado durante a semana, onde os frequentadores se dividem em grupos menores, que se reúnem nos lares e conversam sobre o que ouviram nas mensagens, ou sobre dúvidas que tem a respeito da Bíblia.“Nessas reuniões, é o momento para sentar e conversar, ver se ficou alguma dúvida sobre os cultos. Vão sempre entre 10 e 15 pessoas e rola aquela preocupação em saber se o outro está bem, se está precisando de alguma coisa. É mais pessoal. A gente acredita em relacionamentos e é uma oportunidade que temos para exercer isso”, explica Guilherme Menga, que surpreende ao contar detalhes da forma como a igreja se organiza: “Não tem hierarquia ou cargos, a gente faz o que precisa ser feito, independente de quem você é. Está disposto? Então vai lá e faz. De vez em quando, dividimos as pregações e abrimos para mais gente, não é só o pastor que fala”.
A Capital ficou conhecida através das mídias sociais, que impulsionaram a igreja e fizeram atingir o público alvo. Um exemplo desse caso é Douglas Pimentel, 23 anos, frequentando a inusitada igreja há um ano e meio, depois de ter visto um vídeo da igreja: “Eu nasci no meio evangélico, meus pais iam direto na Assembléia de Deus. Eu comecei a frequentar até a hora que não deu mais. Bermuda era mal vista, não tinha como seguir lá. Aí com 15 anos eu montei uma banda e fiquei um bom tempo fora da igreja, embora nossa banda tivesse uma temática de oferecimento, de louvor. Ficamos assim até achar um lugar que a gente se identificasse, como a Capital. Aqui é livre, não rola preconceito”. Ele ressalta a liberdade cultural que é oferecida pela Igreja Capital Augusta: “Não é a questão do rock ou do samba, é uma questão cultural. A forma como você entende é a forma que você vai louvar, vai adorar. É por aí”.
Sobre o tema mais polêmico dentro de um ambiente com jovens cristãos, a Capital apresenta um discurso mais flexível. Sexo é tratado como um assunto que deve ser levado a sério, porém discutido abertamente. “Em primeiro lugar, a sexualidade não é o nosso foco, pois estamos interessados nas pessoas. Mas a Bíblia é cheia de recomendações e uma delas é a de que o sexo é uma expressão de nível de intimidade maior. Existem diversos níveis e o ideal é que eles ocorram dentro de uma aliança de compromisso, o casamento. Mas cara, no fim das contas, a escolha é sua. Todo mundo é aceito aqui, a gente vai respeitar a escolha de cada um. Quanto ao homossexualismo, a gente acha que o ideal é sempre entre um homem e uma mulher. Nós não somos uma igreja gay, mas também não somos uma igreja heterossexual. Não acreditamos que é doença, nem que é espírito, nem que é escolha. Todo mundo é bem-vindo aqui, e ninguém é perfeito, a começar por nós”, diz Guilherme Menga.
Como o público é feito de jovens e o assunto sexo sempre atrai outros temas, Menga também fala sobre bebidas, que são aceitas pela igreja, desde que não seja um vício: “A Bíblia fala claramente: não se embriague, não exagere. Conheça o seu limite, e cada um sabe qual é o seu. A gente sabe o que faz mal”, frisa Guilherme.
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