Conhecida mundialmente por ter o ator Tom Cruise como seu ministro da propaganda, a cientologia nasceu em 1954 nos Estados Unidos e tem raízes fincadas em cerca de 150 países. Na Europa, a doutrina difundida pelo autor de ficção científica americano L. Ron Hubbard (morto em 1986) passa por uma cruzada em busca da alcunha de religião. Tratada como seita em alguns países, a cientologia prega que o ser humano é imortal e propõe eliminar todos os traumas até atingir o estágio mental clear (limpo). Tem no currículo acusações que vão de fraude fiscal a prática de lavagem cerebral. No final do ano passado, porém, a Espanha – residência de dez mil cientologistas – legislou a favor dos seguidores de Hubbard, que no mundo somam dez milhões. A Audiência Nacional de Madri, principal instância judicial espanhola, acatou o pedido da igreja da cientologia e a fez constar no registro de entidades religiosas.
“Do mesmo jeito que respeitamos quando um católico acredita que a Virgem Maria teve um filho e continuou virgem, não queremos ser discriminados por nossa religião. Essa é a validade da legalização”, apregoa Lúcia Winther, que difundiu a doutrina de Hubbard pelo Brasil. Na Espanha, a cientologia encarava embates judiciais há 25 anos. Em meados dos anos 80, por exemplo, um cerco policial prendeu 88 pessoas entre fiéis e dirigentes sob as acusações de praxe. Em países como Portugal, Suécia e Itália, a cientologia encontra caminho livre – leia-se aí vantagens fiscais – graças à legalização.
Divergência
Na Espanha, aceita como religião, igreja funciona ao lado do Congresso. Na Alemanha, como seita, Cruise foi comparado a um ícone do nazismo. Na França e na Alemanha, no entanto, os templos ainda funcionam com o tratamento de seita. Uma estratégia de implantação de novas unidades foi debatida pelos cientologistas em uma espécie de conferência de expansão, em 2006. “De julho de 2007 até agora, houve um crescimento mundial do número de fiéis dez vezes maior do que em anos anteriores”, diz Lúcia. No ano passado em Berlim, o quartel-general da cientologia foi inaugurado em um edifício de 4 mil m² e seis andares junto ao centro nervoso da política alemã. Na Espanha, a sede nacional da religião também fica ao lado do Congresso dos Deputados, em Madri. “Se queremos implementar nossa campanha planetária pela salvação, temos de atingir os níveis mais elevados do governo alemão”, dizia um trecho de um documento da conferência.
A Alemanha, pátria de seis mil fiéis dos ensinamentos de Hubbard, é o país que mais dificulta a difusão da doutrina – no Brasil, ela está registrada como religião desde 2004 e soma 20 mil fiéis, segundo Lúcia. Lá, estudiosos já compararam Tom Cruise a Joseph Goebbels, o responsável por agitar as massas e promover o culto a Adolf Hitler durante o nazismo. No universo virtual, a cientologia também não tem vida fácil. No início do mês, um grupo denominado Anônimos atacou os sites da igreja, tirando-os do ar.
Membro do grupo de estudos de diálogo multicultural e religioso da Associação Internacional de Estudos LIbero-Eslavos (CompaRes), em Lisboa, o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Evandro Ouriques opina sobre a expansão da cientologia pelo continente europeu: “No vazio de perspectivas da Europa, cheia de medo, concentração de capital, culpa, adição às drogas, ao sexo, às vaidades, surgem tentativas mais ou menos acertadas e controversas de encontrar valores que nos tornem humanos.”
A descrença em torno da religião de Hubbard vem de berço. Um dos cinco filhos do escritor, Ronald DeWolf disse certa vez que o pai era “um dos maiores trapaceiros do século”. A cientologia prega que somos almas ou espíritos, chamados thetans. Para atingir o autoconhecimento, os candidatos a fiéis passam por sessões de audição e são analisados por um aparelho chamado eletropsicômetro, uma espécie de detector de emoções dolorosas. Depois de fazer doações à igreja, o fiel recebe em troca cursos de purificação. No Exterior, processos foram movidos contra a igreja por ex-seguidores na tentativa de reaver o dinheiro dado à instituição. Não à toa, durante a inauguração da sede da cientologia em Berlim, lia-se em cartazes: “Lavagem cerebral: não, obrigado!”
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