Autoridades islâmicas na Malásia desistiram do corpo de um ex-muçulmano, encerrando uma disputa de nove dias com a família. Essas autoridades planejavam dar a Rayappan Anthony um enterro islâmico, embora ele tenha se convertido ao cristianismo.
Anthony (na Malásia o sobrenome vem antes do nome), de 71anos morreu por complicações do diabetes em 29 de novembro. Ele estava internado havia um mês no Hospital de Kuala Lumpur. Os detalhes da disputa entre a família e as autoridades islâmicas podem ser lidos aqui.
Em 7 de dezembro, o Conselho de Assuntos Islâmicos do Estado de Selangor desistiu de requerer o corpo de Anthony, depois de consultar o Departamento de Assuntos Islâmicos do Estado e outros consultores legais. O presidente do Conselho, Datuk Mohamed Adzib Mohd Isa, disse à agência de notícias Bernama que, embora a informação reunida indicasse que Anthony era muçulmano, as evidências mais recentes de sua fé cristã eram maiores ainda.
O advogado Sivanesan, representante legal da família, enviou uma carta ao Hospital de Kuala Lumpur pedindo a liberação do corpo de Anthony. Ele foi enterrado no dia seguinte, seguindo os rituais cristãos.
Liberdade religiosa em risco
Esse caso evidencia os problemas inerentes ao sistema legal duplo da Malásia, onde a lei civil se aplica à maioria dos casos, mas a lei islâmica (sharia) se aplica aos muçulmanos em questões pessoais, religiosas ou familiares.
O advogado Benjamin Dawson, representante de Lina Joy, outra ex-muçulmana, disse ao jornal O Sol que essa era, "antes de tudo, uma controvérsia constitucional".
O bispo Paul Tan Chee Ing, presidente da Federação Cristã da Malásia, disse que essa tentativa de obstruir um enterro cristão para Anthony se contrapunha ao Artigo 11da Constituição Federal, que garante liberdade religiosa.
No começo da semana passada, Lim Kit Siang, líder da oposição, exigiu que fossem consideradas emendas ao Artigo 121(1A) da Constituição, a fim de evitar a recorrência de injustiças como a do caso de Anthony.
Esse Artigo afirma que as altas cortes e os tribunais menores não têm jurisdição sobre assuntos pertinentes às cortes da sharia.
Os membros da Assembléia discutiram o caso no dia 6 de dezembro, pedindo ao advogado-geral determinar a religião de Anthony no momento em que morreu, para resolver o assunto.
Outros casos
Nos últimos meses, outros casos também evidenciaram os problemas causados pelo sistema legal duplo da Malásia.
No caso de Nyonya Tahir, falecida em 19 de janeiro, a corte da sharia da cidade de Seremban reconheceu que ela não era muçulmana no momento de sua morte. Então, permitiu que a família a enterrasse como tal, embora constasse de sua carteira de identidade que ela era muçulmana.
No caso de Anthony, o Departamento Nacional de Registro (DNR) lhe garantiu o direito constitucional de liberdade à religião, e alterou sua carteira de identidade. Mas as autoridades islâmicas questionaram essa mudança por ocasião de sua morte.
Por outro lado, no caso de Lina Joy, convertida ao cristianismo, o DNR se recusaria em reconhecer mudanças em seu status religioso até que ela obtivesse um "certificado de transferência" da corte da sharia.
Lina ainda aguarda a decisão final de seu caso, a ser dada pela corte federal.
O bispo Paul Tan pediu que o governo encontrasse uma solução para evitar futuras lutas religiosas sobre "um falecido cujo status religioso estava em questão".
"Deve haver um mecanismo transparente para resolver tais assunto", o bispo disse a repórteres locais.
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