“Aleluia! Jesus, derrama seu poder! Glória a Deus! Amém!” No início da noite de domingo, os gritos ressoam pela reserva dos índios guaranis, na periferia de Dourados, em Mato Grosso do Sul. Saem de pequenas, modestíssimas igrejas, erguidas ao longo dos estreitos caminhos de terra da reserva.
Há muitas delas por ali. São tantas que, às vezes, no intervalo dos clamores dos fiéis, é possível ouvir os gritos vindos da igreja ao lado. Mas mesmo assim não param de se multiplicar. É possível perceber esse movimento pelos vários templos em construção. Mesmo sem teto, com tijolos aparentes e à luz de velas, eles já operam.
Pelas contas de um dos líderes indígenas do lugar, o guarani-caiuá Getúlio de Oliveira, já chega a 36 o número de igrejas evangélicas plantadas naquela reserva – uma área de 3,4 mil hectares, na qual ficam as Aldeias Jaguapiru e Bororó e vivem 12 mil almas. Se o líder estiver certo, há uma igreja para cada grupo de 330 índios.
Quase todas elas são pentecostais, com vários nomes: Deus É Amor – Pronto Socorro de Jesus, Igreja Pentecostal Indígena, Casa da Bênção, Congregação Maranata, Congregação Betel e outras. Até a Igreja da Unificação, do coreano Sun Myung Moon, que não venera Cristo e é dono de fazendas no Estado, tem feito incursões na área.
A invasão não é nova. Os guaranis convivem com evangélicos desde 1928, quando uma missão presbiteriana, chefiada por um pastor americano, se instalou no meio deles e está lá até hoje. A novidade é o surgimento de uma crescente tensão entre líderes pentecostais e guaranis.
Nos últimos dias, o escritório da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Dourados recebeu a visita de duas delegações indígenas, as duas com reclamos contra os evangélicos. Eles contaram à chefe do escritório, a assistente social Margarida Nicoletti, que os pastores estão elevando o tom dos ataques aos cultos indígenas; e que cinco de suas casas de reza foram misteriosamente incendiadas.
O pior, na opinião deles, é que os evangélicos estão se voltando agora para Panambizinho – outra reserva, a 18 quilômetros de Dourados, tida como um dos últimos redutos preservados da espiritualidade guarani. Seu principal líder religioso – o nhanderu, na linguagem guarani – estaria sendo acusado por obreiros da Igreja Deus É Amor de ser um enviado de Satanás.
De acordo com o antropólogo Levi Pereira, professor da Universidade Federal da Grande Dourados e estudioso da cultura guarani, os índios convertidos são estimulados a interagir apenas entre eles: “Até nas escolas, as crianças de pais pentecostais tendem a excluir e demonizar os filhos de rezadores indígenas.”
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