Na campanha eleitoral que se encerra ontem não faltaram casos de candidatos que acreditaram que podiam pôr abaixo o concorrente agredindo sua vida íntima, expondo suas crenças particulares. Essa é uma tática tão antiga quanto a política no País. Mas sua presença em cena neste ano teve duas novidades. A primeira foi o fato de ter sido utilizada na eleição paulistana pela candidata que se apresenta como de esquerda, representante da renovação, Marta Suplicy (PT). Normalmente são os setores tradicionais que tentam vender a idéia de que a capacidade de administrar o negócio público está atada à vida íntima do sujeito – e, quanto mais tradicional ele for, melhor administrador será. Quando pôs no ar as perguntas “Ele é casado? Tem filhos?”, a campanha de Marta mirou a intimidade de Kassab. Talvez para atrair os conservadores.
A segunda novidade foi a verificação de que essa tática perde força. Em alguns casos existe até o risco de o tiro sair pela culatra. As perguntas de Marta afastaram eleitores que a identificavam como progressista.
Em Fortaleza, a prefeita Luizianne Lins (PT), candidata à reeleição, enfrentou uma “guerra espiritual”. Evangélicos espalharam outdoors acusando-a de ser “contra o povo de Deus” – porque vetou um projeto de lei que previa a manutenção de exemplares da Bíblia em escolas municipais.
A Justiça determinou a retirada dos cartazes. Mas eles reapareceram com o nome da prefeita substituído por Jezebel – vilã do Antigo Testamento, que obrigava o povo de Israel a adorar deuses pagãos.
A satanização não vingou: Luizianne ganhou no primeiro turno com boa margem de votos.
No Rio, Fernando Gabeira (PV) tem sido alvo de pesados ataques pessoais. Na sexta-feira, o concorrente Eduardo Paes (PMDB) voltou a reafirmar que Gabeira está ligado à maconha e à prostituição – numa referência ao fato de ter defendido no passado a legalização da droga e a regulamentação da atividade das prostitutas. Entre evangélicos, Gabeira é atacado por defender no Congresso a aprovação de um projeto que criminaliza a homofobia. Também não funcionou. Gabeira e Paes, que tenta se apresentar como o mais formal, o mais tradicional e mais certinho entre os dois, chegam ao final rigorosamente empatados, segundo as pesquisas.
Exemplos se multiplicam pelo País. Em Belo Horizonte, o candidato Leonardo Quintão (PMDB), tentou associar a imagem de Márcio Lacerda (PSB) à de ladrão de banco – pelo fato de ter participado de ações armadas nos tempos da ditadura militar. Não pegou. Lacerda, que adentrou o segundo turno muito atrás do rival, hoje está tecnicamente empatado com ele.
Na opinião da socióloga Maria das Dores Campos Machado, professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, as chamadas guerras espirituais estão perdendo terreno. “No Rio, o efeito é maior junto às camadas populares e de baixo nível de escolaridade”, diz.
A estudiosa observa que políticos evangélicos mais pragmáticos já perceberam isso e estão mudando o discurso. No primeiro turno, no Rio, o senador Marcelo Crivella (PRB), conhecido opositor a projetos de defesa dos direitos dos gays no Congresso, divulgou um documento no qual dizia que, caso assumisse a prefeitura, faria um governo de tolerância religiosa e sem homofobia. “Estava tentando ampliar sua base política”, observa Maria das Dores.
Para o antropólogo Marcelo Natividade, o fato de ataques pessoais terem perdido força não significa que deixaram de funcionar. “Se fosse assim, não seriam tão usados”, assinala ele, especialista do Núcleo de Pesquisa, Sujeito, Interação, Mudança, ligado ao Museu Nacional, da UFRJ. “Ainda há setores que se sensibilizam.”
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