Olhar para o pastor Rudi Sano e tentar decifrar quem ele é e sua história pode ser uma tentativa sem sucesso. Os 35 anos se transformam em 80 quando ele começa a falar sobre a sua vida. A reportagem de OCP esteve com ele em um ambiente onde a arte do grafite enche os olhos de quem observa as paredes cobertas por painéis, e o chão, onde se caminha por dois enormes discos de vinil. O Espaço Vida Cristo Cross fica no Centro de Jaraguá, na rua Ângelo Schiochet. O projeto, uma ONG, existe desde 2004, mas ganhou uma sede em 2008 quando Rudi se mudou de São Paulo, sua cidade natal, para Jaraguá. Ele veio trabalhar ao lado do pastor Darci Nilton na Comunidade Batista Vida Nova. Antes, o projeto ia até a comunidade, através dos Cras (Centros de Referência de Assistência Social), a convite dos moradores, levando algumas das oficinas que são realizadas atualmente no local.
Desde que o espaço foi criado, as oficinas de grafite, dança de rua, Hip Hop, discotecagem e capoeira agitam as noites e tardes do local. O público alvo do projeto é formado por adolescentes e jovens, meninas e meninos. Crianças são atendidas nos bairros. “Tem gente que eu conheço desde 2004, porque eu já vinha fazer alguns trabalhos aqui, mas não sei o nome de verdade. Pelo apelido sim: Assombro, Terror, Torrada, Nego”, diz. Os painéis multicoloridos são resultado das oficinas de grafite. Apenas algumas telas permanecem no espaço, outras, os autores levam quando finalizam. Na hora da dança, batalhas de b-boy (dançarinos disputam a melhor performance). Enquanto alguém maneja a pick up (instrumento da discotecagem, onde se coloca os discos de vinil para a mixagem), outros dois fazem uma batalha de MCs. “Aqui dentro não é permitido nenhum tipo de agressão física e verbal, nem fumar e beber. Fora daqui, eu não controlo, mas aqui dentro peço para que não façam”, comenta Rudi.
O Espaço Vida Cristo Cross é mantido pela comunidade Batista Vida Nova e não cobra nada dos interessados em participar das oficinas. Os recursos para manter o projeto são da igreja e de doações. O imóvel é alugado e há pouco tempo o proprietário o pediu de volta. “Estamos procurando outro local para alugar. Aqui é muito bom por ser no Centro, uma oportunidade de tirar essas pessoas do ambiente onde vivem, regiões mais periféricas”, afirma o pastor. Embora o projeto esteja ligado à instituição, é aberto para todos. Os participantes não precisam frequentar a Igreja Batista. “Alguns acabam adotando o cristianismo, mas o objetivo do projeto é alcançar as pessoas independente da fé que tenham. O espaço é para todos”, ressalta. Muitos dos frequentadores, segundo Rudi, saíram do mundo do crime e do vício.
“A gente sempre aproveita para injetar valores. A ideia é recuperar esses jovens. Hoje todos trabalham e estudam”, orgulha-se.Depois de anos dependente, a mudança de vida
O despertar do pastor Rudi para o auxílio ao outro se deu depois de anos de um histórico de vícios. Aos 10 anos, ele começou a beber e a fumar. Segundo ele, ninguém lhe ofereceu, mas Rudi foi movido pela curiosidade. Com pouco tempo, estava usando maconha. “Mas não continuei porque minha pressão baixava”, lembra. Aquela foi a porta de entrada para experimentar cocaína. Rudi usou a substância por alguns anos. “Eu injetava cocaína e cheguei a compartilhar seringas durante três anos. Tive muita sorte em não ter contraído nenhuma doença”, comenta. Mesmo com o vício, Rudi continuava estudando e trabalhando. “As drogas eram minha diversão. Eu tinha como estilo de vida”, afirma. Na época, Rudi morava com os pais. Ele conta que nunca passou por dificuldades financeiras e é de família de classe média. A mãe é professora universitária e o pai, engenheiro.
Depois de anos dependente da cocaína, Rudi começou a usar crack, quando a droga ainda não era popular no Brasil, nos anos 1990. Durante a faculdade, cursou história em uma renomada universidade de São Paulo. Se os colegas não se encorajavam em entrar nas bocas de fumo para comprar droga, ele se dispunha. “Assim, acabava conseguindo comprar o meu também”, recorda. Rudi lecionava para turmas de cursinho pré-vestibular, mas parou e ficou em função da dependência. “Eu era o que os caras chamam de triatleta: bebia, fumava e cheirava”. Um dia, Rudi consumiu 30 pedras de crack ininterruptamente e passou mal. Ao chegar ao hospital, ele observou que um de seus braços estava roxo. As consequências do uso do crack ocasionaram uma lesão muscular, que se não fosse tratada, iria para o coração. “Eu me dei conta do que estava fazendo comigo e resolvi procurar minha família e pedir ajuda”, diz.
Rudi ficou durante nove meses em uma clínica de recuperação para dependentes químicos no interior paulista, em São José do Rio Preto. Usou drogas dos 10 aos 25 anos e há dez anos está limpo, mas explica que continua em tratamento. “A droga é uma doença que você adquire e tem de estar sempre cuidando”.
Rudi estudou teologia quando foi para o seminário e, ao se formar, iniciou os trabalhos com a Igreja Batista. Conheceu sua esposa em 2000 em um evento da igreja e em um ano se casaram. Em 2008, tiveram o primeiro e único filho. “Eu achava que estava fazendo a coisa certa. Hoje, aqueles que querem e acham que podem mudar o rumo de suas vidas, eu pretendo ajudar. Todas as semanas, nós auxiliamos alguém que quer se tratar”, finaliza.
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