Há dois anos, quando a cidade de Mossul, no Iraque, foi tomada por tropas do grupo extremista Estado Islâmico, muitas pessoas, famílias, adultos e crianças foram arrancados de suas casas e expulsos de sua cidade. Muito deles com a roupa do corpo. A maioria fugiu dos altos impostos ou punições infringidas a quem não se convertesse ao islamismo. Dentre a população mais afetada, estão os idosos. Diferente de mulheres adultas ou crianças, muitas vezes o idoso é abandonado pela família em fuga ou, simplesmente, não quer fugir com eles, para não ser ‘peso’ durante a viagem. É o caso da cristã iraquiana Thamires*. Ela resolveu ficar e conta na seguinte carta como foi a experiência de se separar de seus queridos.
"A situação do povo iraquiano, hoje, é de muita necessidade. Temos fome e precisamos que alguém nos dê o que comer, temos sede e precisamos que alguém nos dê o que beber. O grupo extremista Estado Islâmico destruiu dois mil anos de herança cristã. Igrejas e locais religiosos foram destruídos, ocupados, convertidos em mesquitas ou transformados em quartel-general. Nossas casas foram marcadas com a letra ‘N’, indicando que somos nazarenos. Após isso, fomos ‘convidados’ a nos converter ao islã ou morrer. Aos 75 anos, doente e sozinha, não tenho como correr. Eu escolhi ficar por duas razões: a primeira, para não atrapalhar minha família na fuga; a segunda e mais importante, para orar e dividir o pouco que tenho com quem nada tem. Enquanto ouvia pela rádio as últimas notícias, uma forte batida na porta me assustou. Ao abrir, um homem com barbas longas acompanhado de uma mulher totalmente coberta entraram e levaram-me à força para a mesquita Haiba Khaton. Lá, me obrigaram a dizer a shahada, a profissão de fé islâmica. ‘Agora você é uma muçulmana e tem que obedecer aos deveres muçulmanos’, disseram-me eles.
‘Meu Deus, ajuda-me’, eu orava em silêncio, meu peito doía, faltava-me o ar, mal conseguia falar ― a perseguição não leva em conta a idade.
Até mesmo as crianças estavam sendo exterminadas pelo grupo extremista. Muitas mães cristãs fugiam para as montanhas com seus filhos, e atiravam as crianças montanha abaixo na esperança de que elas sobrevivessem à queda em vez de, diante dos seus olhos, serem decapitadas pelo grupo. Pensei em meus netos e bisnetos. Pensei em meus filhos em fuga, sem dinheiro, só com a roupa do corpo, sem comida e sem água. Pensei nos meus vizinhos, e pensei nos irmãos da igreja.
Eu não sei qual será o meu destino. Ainda estou aqui na mesquita. Por algum motivo, me colocaram sozinha em uma sala reservada. Ao ver papel e caneta em cima da mesa, resolvi aproveitar o tempo, o tempo que me resta, para escrever para você, antes que eles voltem. De uma coisa eu tenho certeza: não vou negar a Jesus, meu Salvador. E, se eu conseguir sair daqui, continuarei contribuindo com o pouco que tenho".
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