É Halloween e Anne Rice tem um novo livro – de memórias, na verdade – voando alto nas listas de best-sellers. Tudo normal até aí. Normal se estivéssemos em 1994, auge da fama e das vendas de Rice como a rainha dos romances góticos.
Para aqueles que não estavam prestando atenção ao gênero de vampiros recentemente, a mais famosa cronista dos sanguessugas não mora mais em Nova Orleans – isso desde antes do furacão Katrina – e está surfando novas ondas com entusiasmo: a literatura cristã.
Seu livro de memórias, “Called out of darkness: a spiritual confession” (Chamado para fora da escuridão: uma confissão espiritual), é a evidência mais recente de que Rice está se reinventando para tentar construir uma reputação como uma escritora cristã séria.
Na obra, a escritora de 67 anos não desdenha as duas décadas passadas lançando livros sobre vampiros, demônios e bruxas a partir do sucesso de seu primeiro romance “Entrevista com o vampiro”, de 1976. Mas ela demonstra claramente que superou o tema.
Em uma entrevista por telefone de sua casa numa montanha na Califórnia, Rice revelou seu objetivo: “Conseguir empregar as ferramentas e o que quer que eu tenha aprendido sendo uma escritora de vampiros a serviço de Deus. É uma oportunidade maravilhosa”, disse ela. “Espero que possa me redimir desse jeito. Espero que o Senhor aceite os livros que estou escrevendo agora.”
Chamado para fé
Em 2002, Rice rompeu completamente com o ateísmo – aproximadamente quatro décadas depois de ter abandonado sua fé católica, nos anos 1960. Aconteceu quando ela foi para a faculdade e encontrou seus colegas falando sobre existencialismo – Martin Heidegger, Albert Camus, Jean Paul Sartre. Religião, escreve ela, era muito restritiva para a jovem Rice. Muito fora dos tempos.
Ainda assim, escreve, a religião teve de voltar à sua vida, como se para se confrontar outra vez com um pai ausente ou um amor de infância há muito perdido.
No final dos anos 1990, quando voltou para Massachussets, Rice – a autora cujos livros venderam dezenas de milhões e que realimentaram o apetite de Hollywood pelo horror de vampiros – passou por tempos difíceis. Seu marido, poeta e artista, Stan Rice, morreu de um tumor cerebral em 2002. E ela se tornou diabética.
Conversão no Rio
Sempre enfática e para além do racional, Rice escreve que sua volta à fé foi precedida de uma série de epifanias, muitas delas durante viagens pelas catedrais da Europa, Israel e Brasil. Certa vez, quando visitou a estátua gigante de Cristo Redentor no Rio de Janeiro, ela relata que sentiu “delírio” e que as nuvens se abriram para revelar a estátua.
As supostas revelações remontam à infância religiosa da escritora, que diz que queria ser santa. Aos 12 anos, católica fervorosa, ela pediu ao pai para transformar os fundas de sua casa, em Nova Orleans, em um oratório dedicado à Santa Rosa de Lima – santa que os católicos acreditam que transformasse rosas em cruzes.
De certo modo, seu livro de memórias é também é confessional, ao tratar de sua luta para se tornar uma autora com um estilo literário distinto. Para muitos críticos, suas histórias são intermináveis, escritas de maneira feia e confusa, um pastiche de clichês. E a mudança de rumo – da ficção vampírica para a literatura cristã – ainda não conquistou os detratores.
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